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quinta-feira, 30 de maio de 2013

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Recorte do recorte de um livro do Milan Kundera, mas que me bateu muito próximo do lugar onde estamos trabalhando o Graciliano. Dêem uma lida e vejam o que acham. Eu gosto bastante, e me parece que o sr. Engelbert tem tudo a ver com o nosso protagonista, e portanto a reflexão que surge dele pode nos servir.




A cortina rasgada

Ainda uma visita a Praga depois de 1989. Da biblioteca de um amigo tiro, por acaso, um livro de Jaromir John, romancista tcheco do período entre as duas grandes guerras. O romance foi esquecido há muito tempo; chama-se [em francês] Le monstre à explosion, e o leio pela primeira vez naquele dia. Escrito aproximadamente em 1932, conta uma história que se passa uns dez anos antes, durante os primeiros anos da República tchecoslovaca, proclamada em 1918. O sr. Engelbert, conselheiro florestal no tempo do velho regime da monarquia dos Habsburgo, instala-se em Praga para passar ali sua aposentadoria; mas, chocado com a modernidade agressiva do jovem Estado, vai de decepção em decepção. Situação mais do que conhecida. Uma coisa, no entanto, é inédita: o horror deste mundo moderno, a maldição do sr. Engelbert, não é o poder do dinheiro nem a arrogância dos arrivistas, é o barulho; não o barulho antigo de uma tempestade ou de um martelo, mas o barulho novo dos motores, notadamente dos automóveis e das motocicletas: dos “monstros a combustão”.
            Pobre sr. Engelbert: ele se instala primeiro numa mansão num bairro residencial; ali os automóveis o fazem descobrir pela primeira vez o mal que transformará sua vida numa fuga sem fim. Muda-se para outro bairro, contente porque na sua rua os automóveis são proibidos de entrar. Ignorando que a proibição é apenas temporária, fica exasperado na noite em que ouve os “monstros a combustão” roncarem de novo embaixo da sua janela. Daí em diante só vai para a cama com algodão nos ouvidos, compreendendo que “dormir é o desejo humano mais fundamental, e que a morte causada pela impossibilidade de dormir deve ser a pior das mortes”. Procura o silêncio em hotéis no campo (em vão), na casa de antigos colegas em cidades do interior (em vão), e acaba passando as noites em trens que, com seu barulho doce e arcaico, possibilitam um sono relativamente pacífico em sua vida de homem traumatizado.
            Quando John escreveu esse romance, contava-se provavelmente com um carro para cada cem habitantes de Praga, ou quem sabe para cada mil. Tratava-se precisamente de quando ainda era raro que o fenômeno do barulho (barulho de motores) fosse considerado uma espantosa novidade. Deduzo disso uma regra geral: o alcance existencial de um fenômeno social não é perceptível com maior acuidade no momento de sua expansão, mas sim quando ele se encontra em seus primórdios, incomparavelmente mais fraco do que se tornará depois. Nietzsche assinala que no século XVI a Igreja na Alemanha era a mais corrompida que existia no mundo, e foi por causa disso que a Reforma começou, justamente ali, porque só “os primórdios da corrupção eram sentidos como intoleráveis”. A burocracia na época de Kafka era uma criança inocente em comparação com a de hoje, e foi no entanto Kafka que descobriu sua monstruosidade, que depois de tornou banal e não interessa a mais ninguém. Nos anos 60 do século XX, filósofos brilhantes submeteram a “sociedade de consumo” a uma crítica que se tornou ao longo dos anos tão caricaturalmente ultrapassada pela realidade que nos sentimos incomodados por precisar dela. Pois é necessário lembrar outra regra geral: enquanto a realidade não tem nenhuma vergonha de se repetir, o pensamento, em face da repetição da realidade, acaba sempre se calando.
            Em 1920, o sr. Engelbert ainda estava assustado com o barulho dos “monstros a combustão”; as gerações seguintes o acharam natural; depois de tê-lo horrorizado, adoecido, o barulho pouco a pouco remodelou o homem, por sua onipresença e permanência, acabando por inculcar nele a necessidade de barulho, e com isso toda uma outra relação com a natureza, o repouso, a alegria, a beleza, a música (que se tornou um fundo sonoro ininterrupto, perdendo o caráter de arte) e até mesmo com a palavra (que não ocupa mais como outrora um lugar privilegiado no mundo dos sons). Na história da existência, isso foi uma mudança tão profunda, tão duradoura que nenhuma guerra, nenhuma revolução jamais chegou a produzir coisa semelhante; uma mudança cujo começo Jaromir John modestamente assinalou e descreveu.
            Digo modestamente porque John era um desses romancistas a que chamamos de menores; no entanto, grande ou pequeno, era um romancista verdadeiro: ele não recopiava as verdades bordadas sobre a cortina rasgada da pré-interpretação; como Cervantes, ele teve a coragem de rasgar a cortina. Façamos o sr. Engelbert sair do romance de John! Pois, como a maioria de seus semelhantes, o sr. Engelbert está habituado a julgar a vida a partir daquilo que se pode ler na cortina suspensa sobre o mundo; sabe que o fenômeno do barulho, por mais desagradável que seja para ele, não é digno de interesse. Em contrapartida, a liberdade, a independência, a democracia, ou, vendo do ângulo oposto, o capitalismo, a exploração, a desigualdade, sim, cem vezes sim, essas são noções graves, capazes de dar sentido a um destino, de tornar nobre uma infelicidade! Também na autobiografia, que o vejo escrevendo com algodão nos ouvidos, ele dá uma grande importância à independência recuperada por sua pátria e ataca o egoísmo dos arrivistas; quanto aos “monstros a combustão”, relega-os a um pé de página, simples menção de um aborrecimento insignificante que, no fim das contas, se torna risível.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

"L'Amour Vainqueur"

Na primeira peça escrita por Arthur Adamov, "A Paródia" [La Parodie], há, no cenário, diversas peças tipicamente urbanas (um semáforo, uma árvore, luzes, um relógio - sem ponteiros) que, a cada cena, mudam de lugar no palco, tornando-se vários lugares e sempre o mesmo, ao mesmo tempo. Entre esses objetos de cenário há um cartaz de uma peça (ou filme - não entendi se era um teatro ou um cinema) que se lê "O amor vencendor" [L'amour vainqueur]; uma clara piada com os dois personagens principais, 'N' e 'O Empregado'  [L'Employé]. Os dois parecem ser faces opostas de uma mesma moeda: ambos se apaixonam pela mesma mulher (assim como todos os personagens da história), Lili, mas reagem a isso de formas diversas. O primeiro, sofredor, está sempre pelos cantos, imóvel, miseravelmente agonizando sua desgraça; seu maior desejo é morrer - mas pelas mãos de Lili. O segundo, aparvalhado, não percebe que seu amor não é correspondido e insiste em aguardá-la onde ele pensa ter agendado um encontro (ainda que nunca tenha certeza de onde foi, nem que horas era - as horas que ele nunca consegue saber, porque o relógio não tem ponteiros). Seu amor sem sentido justifica, pelo menos para ele, seu viver absurdo, seu isolamento dos outros (ninguém se interessa pelo que ele diz, abandonando-o no meio das suas falas).

Adamov parece apresentar um cenário cínico do que vivemos: a procura incessante por algum sentido perdido a tudo que realizamos, a busca pela comunicação com os outros - que na peça é sempre interrompida, incompleta, incompreendida. [queria escrever uma frase como: <<onde nem o tempo e o espaço existem propriamente>> ou poderia ser <<quando nem o tempo e o espaço existem propriamente>> mas me parecia inadequado e paradoxal usar qualquer um dos dois pronomes, visto que não faz sentido dizer "onde" ou "quando" numa situação que não tem espaço ou tempo. Qual seria o pronome então?] Mesmo o tempo e o espaço não existem propriamente, as personagens não fazem nada, só aguardam umas as outras; elas não têm nomes - a exceção de Lili.

Apesar de também se comportar de forma absurda (vem e vai aleatoriamente, caminha sempre como um manequim, ignora os outros personagens, atendo-se somente aos seus desejos - uma atualização da Lulu de Wedekind), Lili é a causa de todas as ações, é por ela que todos os personagens fazem o que fazem, é por ela que os personagens aparecem, e são quem são. O que isso quer dizer? Não sei bem - estou escrevendo isso desde ontem e parei, porque não cheguei a nenhuma conclusão. Mas por exemplo: Lili traz algumas certezas para a vida das pessoas a sua volta. No terceiro quadro rola a seguinte cena: O Jornalista dança com Lili numa boate e diz: "Não estou exagerando, existem coisas que não se pode duvidar. Por exemplo, a beleza do olhar de Lili, esse lindo olhar tão azul e tão vazio." Ao que a Lili lhe responde, rindo "Claro, claro... mas, e sem contar o meu olhar?". O quadro termina nessa fala. A beleza de Lili é a única coisa que todos podem concordar, e por ela, agir, sempre absurdamente - ela é Helena de Tróia pós-moderna.

Tá, a peça é muito bacana, mas e o Insônia nisso? Bom, na minha cabeça a relação estava mais clara, mas agora me parece meio boba. Simplesmente: o personagem (também anônimo) do Insônia me parece não ter nem uma Lili - que, por mais absurda que seja, justifica as atitudes absurdas dos outros (pelo menos para eles mesmos). O amor que eles sentem por ela (que é um amor absurdo) traz sentido às suas ações, eu acho. No Insônia, o personagem se contorce, como N ou O Empregado, mas sem nada para redimi-lo. Se em "A Paródia", qualquer redenção é ridicularizada, no Insônia ela nem existe.

tá bom, quero postar logo, depois eu melhoro esse texto, senão eu não vou soltar isso nunca.

sábado, 4 de maio de 2013

apêndice ao sobre ensaios (2)

05 de fevereiro (Mesmerize e Hypnotize do SOAD)

Escrever conforme lembrar das coisas. Ian falando do pai, que reservava para si o fim de semana, para fazer nada em casa, do tipo que os amigos chamavam prum jantar ele, segundo Ian, ah po que saco, e o Ian, po, jantar com seus amigos melhor que ficar em casa fazendo nada. Segundo Ian o pai dele segue um pouco a lógica de preciso de dinheiro pra minha vida (claro, todos seguimos, talvez me explique melhor ao longo). Ele ia mais na música que outra coisa. Ian se estendeu mais nesse sentido sobre sua mãe, que queria trabalhar no teatro, mas queria ter filho, e pra tanto, precisava de dinheiro então não rolava se fiar no teatro, aí arrumou um trabalho no tribunal. E o pai disse que tinha medo de se aposentar porque os amigos dele que tinham se aposentado tinham virado taxistas, porque não tinham saco pra ficar em casa fazendo nada, e ele não queria virar taxista. E o Ian, porra, ele não vai virar taxista, ele toca pra cacete, ele é músico. (Vai entre aspas mas é como me lembro e um registro totalmente adaptado não o que de fato foi dito)“meu pai também gosta de consertar coisas, eletrodomésticos, coisas assim, sempre gostou, aí ultimamente, trazem coisas pra ele, e ele numa de ‘ai cacete, olha só o que me trouxeram pra consertar’, e eu de pai, só te trazem porque sabem que você gosta de consertar as coisas, ele é eu sei ok, eu de então devolve diz que não vai consertar e ele ‘não, agora que me trouxeram vou consertar’ ”. Eu disse retomando a história da mãe do Ian, pegando a ideia de roteiro de vida para todos, estrutura padronizada, ela deixou de seguir uma parada que ela queria fazer pra ter filhos. Eu não vou entrar no mérito de se era de fato a vontade dela ou não. A questão, me parece, é que ela é possível que tenha se visto na situação de ok agora devo ter um filho, quer dizer, agora quero ter um filho para isso preciso de dinheiro e teatro não me dá. Como a minha irmã fez agora, está fazendo. Quer dizer, tomara que ela arrume um emprego que tenha a ver com as coisas que ela gosta de fazer. Espero muito sinceramente que sim. Enfim. Luísa sobre a avó, a Rachel. Coisas que ela gostava de fazer, andar na rua das pedras, sair nos desfiles numa boa no Império Serrano, dirigir o carro pros lugares, Búzios também?, é possível, e agora gradualmente vendo-se impedida pela idade implacável, Luísa diz que isso pra ela é totalmente angustiante, a velhice derrubando o sujeito, impedindo a pessoa de fazer o que ela sempre fez. Porque não há meios, forças. Ian não achou tão angustiante. Não me lembro por que. Eu acho. Imagino eu que gosto de correr, um dia me ver totalmente fodido de artrite, que caso corra desmonto minhas articulações, desmonto claro com muita dor e fisioterapia. Puta que pariu sai pra lá.

Falando sobre gostar do trabalho ou simplesmente aturar pela grana. Minha irmã me sugeriu um concurso do BNDES, eu perguntei, emprego fazendo o quê? E ela: importa? Paga bem. E eu, cara, tenho medo de entrar numa dessas e nunca mais sair e não fazer da minha vida o que eu quero. E ela torceu o nariz, e eu, ok não tô falando, foda-se tudo quero perseguir meus sonhos, tô falando de algo concreto, encontrar meios de transformar aquilo com que quero trabalhar em algo possível de me sustentar. Claro que não falei tudo isso. Mas falei de fazer o que gosto de fazer. E ela, cara, o que eu gosto de fazer é viajar e sair, etc., pra isso eu preciso de dinheiro, então pra mim quanto mais burocrático o trabalho, melhor. Eu pensei, ok, entendo, mas discordo. Ou melhor, isso não se aplica a mim.

Eu anotei quando o Ian falou, Viver como livrar-se de problemas. Não sei citando quem. Viver é livrar-se de problemas. Viver é um problema. Logo, para viver é preciso livrar-se de viver, isto é, morrer, seja metafórica ou literalmente. Cadáver adiado que procria.

Não devo retornar aos assuntos de discussão, a menos que lembre de coisas. Pedi a eles que pegassem trechos do insônia para trabalhar no próximo ensaio. Que nos trechos houvesse “Sim ou Não?”. Evidentemente, como bom incompetente, não sei ainda o que farei. Talvez trabalhar estados. Se tentar me aventurar pelo exercício do Amok, corro o risco de não obter resultados interessantes, ou melhor, de não saber lidar com o fato de não ter diante de mim um produto acabado. Não sei se saberei conduzir. Nesse sentido talvez seja melhor o exercício do Giro. Ainda que não se trate de maneira estrita de estado, mas de uma qualidade de movimento que impõe um certo modo análogo à fala. O sentimento vem, mas é segundo, vem através da disposição do corpo. No exercício do Amok o sentimento é primeiro e o corpo é segundo. Podemos brincar com ambos. O problema do do Amok é que não sei quando pode entrar o texto.

Pensei numa passagenzinha que talvez possa constar num pano de fundo sonoro do Haroldo de Campos múrmur-rúmor-remurmunhante. Outro cheiro velho cheiro de coisas velhas.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

referências (1)

"(...) Deve-se reconhecer que o homem é um ser falho. Provavelmente nunca será possível harmonizar seu consciente, que é do seu espírito, com sua natureza, sua realidade, sua condição social, e sempre haverá uma 'insônia honrosa' naqueles que, por qualquer razão obscura, se sintam responsáveis pelo destino e pela vida do homem. Se houve alguém que dela sofreu, este foi o artista Tchekov, e toda a sua poesia era uma insônia honrosa, a procura pela resposta certa e salvadora à pergunta: 'O que devemos fazer?' Este termo era difícil de encontrar, se é que isso em geral é possível. Só uma coisa ele sabia com certeza: que a ociosidade e o deixar de trabalhar significam exploração e opressão. No conto A Noiva, aquele Sacha, que também, como Tchekov, é tuberculoso e deve morrer, diz a Nádia, que também não consegue dormir:

Compreenda pois: se sua mãe e sua avó nada fazem, significa que se aproveitam da vida do seu próximo, e será que isso é decente, não é uma injustiça?... Minha cara, vá embora! Mostre a todos que está farta desta vida impossível, cinzenta e pecaminosa! Mostre-o a si mesma! ...Juro que não se arrependerá. Vá embora. Vá estudar e deixar o destino guiá-la. Tão logo remodele a sua vida, tudo será diferente. O principal é remodelar a vida, todo o resto é secundário. Então vamos embora amanhã?

E Nádia realmente vai embora. Ela abandona sua família, seu noivo fútil, desiste do casamento e foge. É uma fuga das ligações com a classe, de uma forma de vida que sente ser atrofiada, falsa e 'pecaminosa', que muitas vezes se repete nas histórias de Tchekov, a mesma fuga que o velho Tolstoi empreendeu ainda no último instante".

MANN, Thomas. Ensaio Sobre Tchekov. In: Ensaios. Seleção de Anatol Rosenfeld. São Paulo: Perspectiva, 1988. pp. 54-55

e

The The - Jealous of Youth

Emails

Felipe Sut <felipe.sut@gmail.com>
24/11/12
para LORRANA, Luísa, Ian

Seguinte: falei com a Luísa agora, se vocês toparem, deixamos pianinho nesse início pra ver qual é, Luísa sugeriu fazermos uma vez só por semana. Falo por mim, tô preocupado com a sobrecarga presse semestre. Enfim, tá no início mas já tô com azia por antecipação. Aí se pudermos fazer às sextas acho que é bacana. Luísa só pode nesse horário de 12h às 17h, podemos fazer aí ou de 13h às 17h, etc. Conforme a necessidade, acho que podemos usar a quarta à noite, caso Lorrana tenha também.

Hamm, acho que por enquanto é só. Leiam o conto e a peça. Vamos discutindo, tragam sei lá dúvidas, observações. Se pudermos começar já sexta que vem. Eu vou levar coisas pra experimentar.

Queria, viu Lorrana, permanecer indo lá pro treinamento quinta, mas aí podemos ver se na sexta a gente faz uma versão otimizada pra dividir com essa experimentação com o texto, e sobre o texto.

E mais uma coisa, que eu tô achando importante subllnhar: PENSEM EM MANEIRAS DE ABORDAGEM DO TEMA. Quer dizer, o tema pode ser parecer a coisa de condição humana, binômio terrível ok, mas pra transmitir isso pura e simplesmente é melhor ficar em casa coçando o saco assistindo Bergman. Condição humana do tipo, como uma noite mal dormida aparentemente é uma estupidez mas representa basicamente um sintoma de uma vida ruim, ou não, ou outra coisa, ou melhor, sofrer de insônia, bem mais que apenas uma noite mal dormida (Tem um texto do Tchekov que o Thomas Mann cita num ensaio dele, que fala de uma insônia honrosa, por parte de uma mulher que apesar de riquíssima herdeira, não consegue dormir, o interlocutor dela diz, é porque você é rica pra caralho). Ou a noção de tempos idos, o apego total ao passado (tem uma música de uma banda inglesa The The que fala assim "é curioso como quando envelhecemos nos apegamos ao passado como nos apegamos ao ar, e nos sentimos nostálgicos com coisas que talvez nem tenham acontecido", meio brega, mas eu gosto), e a necessidade de não só a busca pela felicidade, mas a afirmação imediata de que o se vive agora é a felicidade.

Não podemos nos ater à noção idiota de que isso é o que queremos expressar agora e por isso já é suficiente, por que é honesto espontâneo orgânico - só porque é genuíno não quer dizer que é bom ou válido, não quer dizer nada a não ser que é genuíno.

Falei com o Ian ontem, tava pensando numa ferramenta que não sei bem como usar: a supressão. Lorrana falou, acho que era sobre o teatro nô, em como um movimento tal seria executado não até o "seu fim", mas de certa maneira "interrompido". Posso ter falado uma barbaridade, espero que você tenha se lembrado, Lo. Enfim, queria ver o que se pode fazer com essa noção aplicada à fala. Na esteira daquela ideia de não deixar o espectador com a fábula sobre controle, de não procurar estabelecer a empatia imediatamente - uma maneira que eu vislumbro pra isso, é a produção de incompreensões.

Me explico: o Beckett bota um pouco isso dentro da peça - mais que a incompreensão inicial (que seria o fato insólito de a Winnie estar enterrada no morro), é a interpelação dessa compreensão - lá pelas tantas no texto, a Winnie fala de um casal que a vê de longe, e faz perguntas sobre por que ela está lá, e outras do tipo, por que ele (Willie) não a ajuda a sair, etc. Em algum lugar no livro depois da peça, rola o comentário (ou do Schneider ou do Beckett) de que seria o Beckett botando a dúvida dos espectadores no palco.

O Graciliano: Sim ou Não? Pode-se pensar: como assim sim ou não? sim ou não o que?

Chega de encher o saco de vocês por ora.

Resumo do email:

1. Fazermos apenas às sextas. talvez de 12h às 17h. O que acham? (Pretendia fazer treinamento com Lorrana às quintas de manhã)
2. Leiam o conto e a peça. Pro dia 30, acho melhor começarmos pelo Insônia. É curtinho, se puderem trazer lido é a boa.
3. Pensem em maneiras de abordagem do que vocês acham ser o tema. Como poderíamos comunicar, tanto as palavras dos dois, quanto esse tema.
4. Pensei em trabalhar com uma ferramenta: a supressão. O que acham?

e chega
beijos


Luísa Reis <luisa_reis_13@hotmail.com>
29/11/12
para mim, lorrana, ian

Bom, começando pelo mais fácil: os textos. ainda não li o dias felizes, li o insônia, achei do caralho, mas bate um medo terrível de ser só mais uma ceninha com pessoas dizendo um texto foda de uma forma bonitinha. vamos correr disso, por favor. acho que pensar em beckett e supressão já é do caralho, vou rever minhas notas da aula da flora (aed), porque ela trabalhou mais pro final com interrupção e supressão (sut, lembra disso ou eu inventei?).

Mas sut, manda aí as referências direitinho do texto do thomas mann e da música pra gente ir criando uma bibliografia de estudo. eu lembrei por alto de um conto do rubem fonseca, vou reler e se tiver mesmo a ver eu mando pra vocês. mas acho legal a gente se firmar no insônia e no dias felizes, trazendo os outros pra pontuar uma ou outra coisa nos estudos. uma coisa que eu pensei, pra gente não ficar só numa de ler junto os textos, seria de cada um destacar trechos que ache relevantes da peça ou do conto, daí a gente lê junto e discute o trecho, o que acham?

agora sobre os horários, que é mais difícil: acho que devemos esperar o encontro de domingo na casa da lara pra ver os nossos horários, porque com a temporada do horácio vamos precisar mexer nos horários do TARJa. no domingo vamos ver com quem tiver lá como vão ser as coisas, e daí a gente tem uma panorama mais definido.

por mim, a gente pode começar amanhã de 13h às 17h com a lo chegando atrasada. se não tiver sala na unirio (acho que não tem, já que ninguém foi lá hoje pegar) a gente pode se encontrar aqui em casa e fazer um ensaio de mesa, sei lá, ler a peça juntos (hahaha, justo o que eu disse pra não fazer, mas ok). ou deixamos pra lá e começamos dia 14 (já que dia 07 a lo e o sut vão estar no amok). bem, aguardo a resposta de vocês. se ninguém falar nada é porque não tem, como disse o sut.

beijos

p.s.: não queria deixar morrer não, fiquei empolgada com a parada! poxa, nós somos só 4, não é possível que a gente não arrume horário pra se encontrar, cazzo!

domingo, 7 de abril de 2013

Sobre ensaios (1)



















03 de fevereiro (Abraçaço Caetano, The Hips of Tradition Tom Zé)

Ok. Tenho que passar a limpo o que escrevi a respeito do ensaio que rendeu a primeira cena. Enfim o primeiro ensaio, houve dois outros encontros que precederam mas não foram ensaios. Talvez ainda um terceiro. Um, o primeiro, ainda na pilha que deu o primeiro pontapé, antes da oficina do Amok, éramos eu, Lo e Ian. Ainda estávamos totalmente na dimensão da incompreensão quase total. Eu havia entendido uma coisa de minha proposta, Lorrana outra, e não sei o que Ian esperava, mas creio que algo mais próximo do que eu esperava. Utilizamos um horário que a Lorrana usava pros seus treinamentos. Então ela entendeu que queríamos treinar com ela. Naturalmente. Mas ficou de fora da sua expectativa a ideia que eu havia dito em poucas palavras, mas dito de todo modo. Que era o desejo de trabalhar o conto do Graciliano Ramos, e tentar ligar isso com a pesquisa dela sobre velhice, ou fosse o que fosse, pelo Dias Felizes, que ainda que não se aproxime de uma abordagem realista da velhice, num sentido estrito, é talvez uma maneira riquíssima de abordar o tema. E o treinamento. Tudo isso junto. Acho que ficou confusa a ideia. Ou melhor, tenho certeza que ficou confusa. Treinamos durante quase todo o tempo, quase ao fim, me sobrou capaz cerca de meia hora pra falar um pouco a respeito do que achava sobre o que queria falar do projeto que mal se delineava ali. Falei uma porção de coisas. Muitas delas eram bobagens, derivações talvez muito pobres do que havia muito recentemente lido no livro do Boal, o teatro do oprimido, levei pro encontro também o Grotowski, também dele derivei bobagens, mas em menor quantidade. Depois fui reparar na insuficiência do gesto de trazer materialmente (pessoalmente? Espiritualmente?) a bibliografia sem o gesto (não complementar, mas fundamental) de ser capaz de embasar seu discurso naqueles caras, ou coloca-los em questão, mais do que meramente ler até o fim, e pensar “parece inteligente, concordável”, e concordar e não acrescentar nada, aí é só fazer quem quer seja também ler o texto e apreciar como o escritor fulano de tal é virtuoso e inteligente.


Lembro-me de um segundo encontro. Estávamos todos, mas não sei por que não fizemos nada. Não consigo me lembrar. Nesse dia levei também o livro do Guattari. Vale o que eu disse a respeito dos outros dois, um pouco. Porque dessa vez estava falando mais especificamente do conto do Graciliano. Malhando uma cena que vimos, falando de como era contra-referência. Talvez aí, acho que já tinha assistido Morangos Silvestres, citei como referência no tocante a abordagem da velhice, e, não sei se citei, imagino que não, acho que porque inclusive vi nesse dia (ou foi no outro ensaio? No encontro anterior?), enfim, o caso é que tenho pra mim aquele serestando da moça lá do lume como espécie de contrarreferência por mais que lembrando agora, é possível que a dança dela, quando fazia a garotinha tenha se insinuado no meu aquecimento, quando agora entro em cena ou antes de ensaios, fico de certa maneira eufórico, corpo irrequieto, também me lembra o Stephane quando estávamos todos aquecendo, bem possível que eu procure copiar esses caras, mas no caso dele era algo mais ritmado, o dela tinha a impressão que tinha uma espécie de forma tal, mas não exatamente ritmado, ou melhor, ritmado, sim, mas não um ritmo regular, ah sei lá. Por que contra? Porque a descrição pretensamente mimética de certo modo asséptica me incomoda. De que vale o ator copiar uma imagem real, se dela não faz nenhum uso interessante senão mostrar sua própria capacidade virtuosa de ser capaz de imitar? Ouço represália pesada baixinho. Nada contra virtuoses, mas. Dou o desconto de ter se tratado de uma demonstração de trabalho, mas o incômodo não se extingue feita esta concessão. O velho por ser velho é já interessante? Como assim velho? Parece-me que assim se desconsidera toda sua história de vida, suas ideias, seus preconceitos, tudo, enfim, em prol de sua circunstância, ninguém é velho senão num devir. Ela não falava somente de velhos, ok. Refiro-me a esta parcela do trabalho. Bergman é bem mais inteligente. “Fumar não é um vício para mulheres” “Quantos anos o senhor tem?”. Sacou? É uma pessoa, não um velho. Às vezes parece que estamos sempre escapando ao momento de nos posicionar a respeito de qualquer coisa que seja.

Agora me dei conta: pensava que era serestar ser+estar, mas pensei em seresta. Serestar. Eita. Ainda que ache que seja a primeira ideia.

Acho que o segundo encontro foi um pouco esse papo. No terceiro, Lorrana não estava. Não tínhamos sala. Sentamos ali no Tolezano, falei um pouco sobre ideias que tive pro processo. Falei de que queria tentar proximidade com algumas ideias do Faustini. Maneiras de pensar nesse processo como algo a ser mostrado por aí. É certamente ilusão julgar que já iniciamos essa proximidade com postar os vídeos das cenas feitas no grupo do facebook. Acho que isso simplesmente facilita uma espécie de conhecimento comum a respeito do projeto pelo grupo inteiro, não apenas os que estão fazendo. Haveria mostra de processo no castelinho. Não sei . Expliquei o que gostaria de fazer no encontro seguinte. Que foi já em 2013. Sobre ele passo a limpo o que escrevi mais tarde.

[segue ainda]

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

"Sim ou não?"

Entre os processos mais massantes de compreensão de um Texto está aquele compreendido por comentários ou notas que atravessam todo o material, normalmente produzidos por algum sapiente especialista no assunto. Esse processo, quando nós mesmos o executamos, chamamos de fichamento.

Foi assim que o Sut apresentou-nos, a mim e ao Reinoso, no último ensaio, uma leitura dos primeiros parágrafos do conto, interrompidos por comentários (melhor seria dizer pensamentos, por representar uma coisa menos elaborada, mas como essa palavra tem um forte sentido abstrato, preferi algo mais tangível) seus escritos em um caderno.
Ainda que massante, essa abordagem revelou-se... reveladora.

Assim, decidi fazer o mesmo e ir soltando tudo o que me vem à cabeça quando leio os três primeiros parágrafos, sem muito crivo. Num primeiro momento, isso parece um tanto presunçoso, como se qualquer coisa que eu pense fosse interessante de ser compartilhada. Lógico que, muitas vezes, não são; mas, até onde eu compreendi, o objetivo desse blog é mesmo dizer as coisas para depois desdizê-las. Então vamos.

Primeiro, antes da leitura dos três capítulos, tentei resumir o conto na minha cabeça em poucas frases. Insônia trata de um personagem acordado e mantido em vigília por uma pergunta - sim ou não - que lhe vem à cabeça sem causa aparente. Seu desejo é voltar a dormir, mas não consegue diante dessa dúvida.
Assim, de cara, temos uma ação totalmente não-dramática (algo que soa meio contraditório, visto que a tradução mais usual para "drama" é "ação"...) uma vez que o único conflito é do personagem com seu próprio pensamento. Não sei se é uma aproximação totalmente forçada, se são os estudos que estamos fazendo desde o começo da montagem de "Horácio" e que eu permaneço fazendo com a montagem de "Ofélia", mas, nesse sentido, o personagem me lembra Hamlet. Vou tentar levar as coisas nessa direção pra depois ver quais são as consequências.
Ao conto:

1) "Sim ou não? [uma espécie de ser ou não ser levada ao mínimo? (como Michel Melamed brinca em Regurgitofagia, que todas as dúvidas, no fim, são apenas sim ou não).] Esta pergunta surgiu-me [não há nenhuma causa] de chofre no sono profundo e acordou-me. [e se a narrativa for mais alegórica (detesto essa palavra)? Que sono profundo é esse do qual ele se desperta por conta dessa pergunta? É forçado dizer que esse DESPERTAR quer dizer mais do que um acordar de madrugada? Se não, é novamente um possível paralelo com Hamlet...] A inércia findou num instante, o corpo morto levantou-se rápido, como se fosse impelido por um maquinismo. [o Sut lembrou da "máquina do meu corpo" da carta de Hamlet para Ofélia, uma curiosa maneira de separar corpo e mente. Aqui, é dúbio se o "maquinismo" é o próprio corpo ou algo externo ao corpo, embora pareça mais referir-se a um agente exterior que o levanta - a pergunta]"

2)"Sim ou não? Para bem dizer não era pergunta [?], voz interior ou fantasmagoria de sonho: [Hamlet é despertado pelo fantasma de seu pai - o sonho que invade a realidade; mas não creio que é isso que o narrador está descartando aqui. Ele continua:] era uma espécie de mão poderosa que me agarrava os cabelos e me levantava do colchão, brutalmente, me sentava na cama, arrepiado e aturdido. [acho que é semelhante ao despertar de Hamlet, o horror diante da dúvida que o fantasma de seu pai lhe coloca... é forçada essa minha interpretação?] Nunca ninguém despertou de semelhante maneira [o narrador claramente não concorda comigo...] Uma garra segurando-me os cabelos, puxando-me para cima, forçando-me a erguer o espinhaço [ele insiste nessa ideia meio cadavérica de uma mão (depois uma garra) que lhe puxa pelos cabelos para que acorde. É, no mínimo, uma imagem sinistra. Podemos visualizar bem esse movimento que começa pelos cabelos] e a voz soprava aos meus ouvidos, gritada aos meus ouvidos [antítese]: - Sim ou não?"

3)Nada sei [de onde veio essa aporia socrática? Hamlet diria isso de si mesmo, ainda que, claramente, soubesse muito? Ok, nem tudo precisa ser hamletiano...]: estou atordoado e preciso continuar a dormir, não pensar, não desejar, matéria fria e impotente. [ele, então, revela seu desejo: voltar a dormir e não pensar. Não deseja a dúvida essencial (sim ou não), mas a inércia do sono. Além disso, em algum lugar, essa frase me lembra Beckett, seja  na construção meio desarticulada, seja no próprio campo semântico das palavras] Bicho inferior, planta ou pedra num colchão [imobilismo, parece]. De repente, a modôrra [essa é a grafia que eu tenho] cessou, a mola me suspendeu e a interrogação absurda me entrou nos ouvidos - Sim ou não? [é curioso que, agora, ele parece apresentar uma nova versão de como acordou - uma mola que o suspende; uma pergunta que lhe entra nos ouvidos - muito mais branda, menos violenta que a anteriormente descrita - a garra que lhe puxava os cabelos e gritava/soprava a dúvida. O que isso quer dizer, eu não sei...] Encostar de nôvo a cabeça ao travesseiro e continuar a dormir, dormir sempre ['dormir sempre' é forte, me voltam aquelas ideias de uma 'alegoria' com esses termos]. Mas o desgraçado corpo [xinga o próprio corpo ou sente-se exaurido e tem compaixão pelo seu corpo?] está erguido e não tolera a posição horizontal. Poderei dormir sentado? [a segunda dúvida, muito sintomática]

Bom, já está meio grande esse post.
Foram essas as minhas reflexões.