segunda-feira, 3 de junho de 2013

You feel like a bug

"E o corpo não agia,
Como se o coração
tivesse antes que optar
entre o inseto e o inseticida."
Tentando começar esse texto uma segunda vez. A primeira não ficou boa. Temos falado muito sobre drogas pesadas, ácido, cocaína, heroína. E a cada vez que alguém sugere um ensaio na companhia delas eu estremeço. Ontem eu caí no choro no meio do exercício. O mais difícil é não fazer desse relato, para mim tão importante, uma coisa meio comédia romântica, meio campanha da Globo contra as drogas. Porque não se trata disso. Eu sei que a minha experiência não pode ser tomada como padrão, até porque, e isso talvez fique claro ao longo do texto, a minha visão é bastante parcial. E passional.

Quando eu tinha 16/17 anos, eu estava apaixonada pela menina com quem eu estava ficando. Acho que não a amava, mas tinha alguma coisa muito boa entre a gente, e eu estava curtindo ficar com ela. Filme dos anos 90 retratando a década de 70: a gente bebia, fumava maconha, escrevia em máquina, ouvia música em vitrola (“ela é minha menina... e eu sou o menino dela”), cinema, poesia, filosofia, teatro, política, nada para fazer o dia inteiro.

Eu não sei bem com certeza quando foi que um belo dia as coisas começaram a desandar. Tenho lembranças muito borradas dessa época, como se tudo estivesse envolto numa grande nuvem da fumaça dos cigarros que a gente fumava sem parar. Nós no apartamento vazio dela, vazio vírgula, ela tinha sempre um bando de fiéis escudeiras que varavam a noite com a gente. Quando eu me dei conta, tudo já era demais: álcool demais, maconha demais, eu não conseguia acompanhar. Por isso foi mais difícil pra mim, acho, eu não conseguia acompanhar o ritmo delas. Ou não queria.

Tem uma coisa importante nessa história: inteligência pra mim é afrodisíaco. Eu gosto de pessoas inteligentes, gosto de achar que eu sou inteligente, e eu gosto de ficar com pessoas que eu considero inteligentes (mesmo que depois eu termine por perceber que ela só parecia inteligente). Eu tenho um medo do caralho de fuder com o meu cérebro.

M. era inteligente. Mas como eu disse, drogado só tem graça para outro drogado, e drogado só é inteligente para outro drogado. Drogados na verdade são chatos. São como os bêbados, mas em escala maior. De tudo ficar demais e elas partirem para o ácido foi um pulo. Até hoje eu não sei bem o que elas tomavam, mas tudo mudou, a começar pelo vocabulário: doce, bala, pó, loló, acho que ela foram na lista toda. Eu não fui junto, mas fiquei junto. Telefonema às três da manhã: eu to morrendo, vem pra cá. Eu ia. Quarenta minutos pra completar uma frase e eu ouvindo, uma hora e meia dela vomitando pela casa e eu limpando, ela se acabando e eu não fazendo nada. "Eu morrendo e você pintando as unhas de vermelho." E mesmo quando estava limpa, começou a ficar chato. Muito chato. Ela era bonita e tinha vigor, uma força que vinha de um outro lugar, e foi se atrofiando, foi perdendo.

Não foi rápido, foi lento. E não foi até o fim. Isso quer dizer, ela não se acabou na beira da estrada drogada e prostituída, não que eu saiba. Sei lá. Eu saí antes, para mim estava de bom tamanho. Mas acho que ela vive uma vida bem parecida com a minha, faculdade, trabalhos, barzinho, festa. Nem sei se ela ainda toma essas coisas. Mas perdeu, percebem? Perdeu o encanto, a graça, a força, ficou feia, empobreceu.

Eu parei de fumar maconha, não tenho coragem para nenhuma outra droga além do álcool, e mesmo assim, só de vez em quando. Não gosto nem de beber todo final de semana, embora tenha feito isso com frequência ultimamente. Gosto de alternar cerveja com cinema e teatro, numa tentativa idiota de manter o meu cérebro do mesmo tamanho.

Sinto que não consegui colocar no papel a angústia que eu sinto toda vez que me lembro do que M. foi e do que ela ficou. O que me assusta é isso, é que ela não virou doidona drogada, ela usa de vez em quando, o que muitos diriam ‘numa boa’. É muito fácil e covarde eu esperar chegar em casa, atrás do computador, pra contar isso para vocês, sem ter que olhar no rosto, sem ter que segurar as lágrimas, essas coisas todas. É muito mais fácil esse texto sair clichê e meio brega do jeito que saiu e eu não querer publicá-lo, como se isso servisse de desculpa.


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