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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Tópicos especiais em estética - aula 2

"Aquele que deseja e não age engendra a peste" - W. Blake


Sempre acabo saindo das aulas do Patrick com questões sobre o Insônia. Que ele nunca venha aqui ler as bobagens que estou prestes a escrever, sob pena de eu ser reprovada com alguns dos gestos grandiloquentes dele: “mas você não entendeu nada!” (caretas acompanhadas movimento de mãos e braços).

Na segunda aula, fiquei às voltas com o que ele falou sobre o Barão de Münchhausen. A imagem do Barão, que sem ter como sair da água puxa a si próprio pelos cabelos, sempre me deixou meio fascinada, e desde que li o conto do Graciliano ela voltou na minha cabeça, mas não sabia bem como unir as duas.

Pra quem não sabe do que estou falando, no segundo parágrafo ele diz: Sim ou não? Para bem dizer não era pergunta, voz interior ou fantasmagoria de sonho: era uma espécie de mão poderosa que me agarrava os cabelos e me levantava do colchão, brutalmente, me sentava na cama, arrepiado e aturdido. Nunca ninguém despertou de semelhante maneira. Uma garra segurando-me os cabelos, puxando-me para cima, forçando-me a erguer o espinhaço, e a voz soprava aos meus ouvidos, gritada aos meus ouvidos: – “Sim ou não?”.
 
Na aula a que me refiro, o Patrick (via Foucault) falou do Barão como alguém que, sem ancoragens em mais nada, só pode se ancorar em sua própria existência para elevar-se. Essa seria a diferença entre o técnico (professor) e o parresiasta: o professor apoia-se na sua técnica, no que aprendeu e deve passar adiante, ao passo que o parresiasta possui autonomia, o modo de fazer é o modo de ser feito. Mas o nosso homem é puxado por um maquinismo, ele não se puxa pelos cabelos. Não? Bem, aí poderíamos ter duas possíveis interpretações, vamos a elas (que não se ache que eu tenho uma resposta, estou só cuspindo ideia).

Se acreditarmos que ele de fato é puxado, há aqui um sair de um lugar de sonho/sono para um lugar de “real”, “realidade” (entre aspas por medo). No começo dessa mesma aula, Patrick fez uma longa preleção sobre Descartes, da qual eu não entendi tudo, até porque meu entendimento de Descartes vai até o ensino médio, mas ele falava do homem são como base moral para a sociedade, mas que mesmo esse homem são, ou seja, aquele que não é louco, pensando rasteiramente, tem seu momento de loucura, no sono. A base moral da sociedade é, portanto, o homem são acordado. Isso porque para Descartes o homem é “penso, logo existo”, é coisa que pensa, é objeto, o homem que sonha, dormindo ou acordado, não pensa. Nosso querido insone, voltando ao Graciliano, é, acordado, esse homem, essa base moral da sociedade, engravatado: Rio, tento libertar-me da loucura que me puxa para uma nova queda, explico a mim mesmo que o que me aperta o pescoço não é uma voz: é uma gravata. Entendem onde quero chegar? Se ele é puxado, nada temos do Barão aqui, não há parresia, não há coragem, não há nada, há um sujeito que acordou no meio da noite, não reatou o sono, foi sentar-se à mesa e fumar. Apenas.


Mas não, acho que não. A segunda possibilidade é acreditarmos que a garra que o puxa é ele mesmo, elevando-se a si próprio, ancorando-se em sua própria existência. Fiquei pensando nisso a partir do último  texto do Sutque ele vem fazendo uma oposição entre a insônia em que o cara está e o cotidiano que ele espera, mas no final abre uma brecha para pensarmos a insônia como parte desse cotidiano terrível, sintoma, dois lados da moeda. E porque então o puxar-se do sono para a insônia tem par com o Barão de Münchhausen? Porque na insônia ele não é esse cidadão comum, bicho doméstico, ele desejaria voltar a ser homem, mas não deseja nem é, ele não é o homem do sorriso amarelo que não gosta de contrariar o outro que acha tudo ruim na vida, ele é o outro. Estou me perdendo ou alguém ainda me acompanha? Faz sentido, isso? A insônia não é o natural cotidiano, o homem são, para isso precisa-se do dormir-acordar-segunda-terça, como disse o Sut, mas também não é o seu extremo oposto, porque é efeito deste. A causa da insônia não está no externo: na luz, na voz, nas batidas do relógio, na mão-garra, na gravata, no ladrão, no rato. Ela está no interno do homem-cotidiano e nos seus microproblemas que o compõe: o ladrão que pode entrar, o rato que ele precisa dedetizar, na gravata que ele precisa vestir, na hora que precisa cumprir, nas decisões que precisa tomar. Blábláblá e é claro que não se reduz a isso, mas aqui e agora me parece uma maneira interessante de encarar esse acordar súbito no meio da noite.

Mas para nós é preciso (sinto falta de) confrontar sua ausência de sono e seu desejo de dormir com a relação da Winnie com o dormir-acordar e a campainha (e as batidas do relógio?). Só que depois.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

nexos, amplexos, sexos e reflexos

Nonada
fazer sentido o que quer dizer? Qual o limite disso?
qaundoqumasentça com messa a f setid?
inguinorâncias

talvez o lugar que queremos chegar não seja fazer sentido, mas se fazer entender; esse lugar de criar uma linguagem no momento mesmo da mensagem, num canal ainda não testado entre aliens. Como se comunica com aliens?
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensagem_de_Arecibo
Mas os espectadores a princípio não são aliens: compartilhamos algumas coisas, embora seja sempre duvidoso O QUE precisamente compartilhamos. Quando eu enuncio qualquer frase, pensando, com ela, evocar algum significado específico através de seus elementos (letras, sons etc) para que meu receptor decodifique aquele código e acesse esse sentido é pouco provável que ele compreenda exatamente o mesmo significado que eu tentei conceber. Em verdade, muitas vezes, a própria compreensão acerca do código é diversa, o que, claramente, gerará compreensões diferentes sobre uma mesma sentença. Em maior e menor grau. Reformulando muito simplesmente, a comunicação é algo muito truncado e pouco confiável. Acho isso bobo - bem fácil de entender. Entretanto, também me parece plausível que a linguagem tenha algum sucesso, uma vez que, empiricamente, alguma coisa, mesmo que pouca, é compartilhada: conseguimos conversar, propor e discordar, fazer ciência e escrever textos como esse com um certo nível de sofisticação e, provavelmente, somos compreendidos pelos nossos companheiros. Acho que quem está me lendo é capaz de acompanhar minhas palavras.
Isso é um ponto.

Outro é aquela velha história de que, se for somente pra eu comunicar alguma coisa, transmitir alguma mensagem certa, ter algum sentido fechado, o melhor é escrever um texto dissertativo, um bilhete que fosse e dar ao público. Se não queremos fazer isso é porque isso não é suficiente para expor todo o significado que queremos mostrar com essa obra: há algo a ser dito que extrapola as possibilidades dos códigos já estabelecidos. Talvez a diferença entre o narrar e o informar do Benjamin.
Daí a ideia de estabelecer códigos novos no mesmo instante em que transmito a mensagem: como bebês em convívio com adultos falantes que lentamente começam a se inteirar das sutilezas daquela linguagem.

Bom, isso também me parece bem óbvio, tipo, fácil. Daí vem o seguinte: temos alguma mensagem? Foi isso que me roeu roeu sim ou não sim ou não ininterruptamente no colchão no último ensaio.


Sut me inqueria, eu sabia que tinha uma resposta - tinha que ter uma resposta. Não somos tão non-sense quanto queremos ser. Sut e Bruno dizem que temos que construir sentido antes de destruí-lo, e o Sut acrescentou agora que esse processo de desconstrução não pode ser racional, porque seria paradoxal. Será que não temos sentido no que fazemos? Concordamos sobre muitas coisas: 1) o conto NARRA uma história: um homem acorda no meio da noite por uma luz externa, o que seria ordinário, mas hoje vem uma pergunta absurda "sim ou não". Ele não consegue voltar a dormir, levanta-se, senta e fuma. Em seus devaneios, percebemos flashes de como é seu quarto, de que ele é um sujeito comum, cidadão comum, gravata, feliz e infeliz, faz as mesmas coisas todos os dias. Isso é o escrito, indiscutível (médio); 2) o conto parece evocar um tipo comum de pessoa que conhecemos; alguém que não vê sentido em nada o que faz e por isso não sabe por quê fazê-las, as faz porque é o que deve fazer e isso evita que ele pense por quê as faz, o que facilitaria viver, algo do tipo; 3) também me parece comum acordo que nenhum de nós acha isso bom, nenhum de nós faria como esse personagem cidadão-comum e que, portanto, a nossa cena falaria contra esse tipo de vida. Ou no mínimo, apontaria o absurdo de ser assim. Nosso personagem, ele, pelo menos reconhece que é um absurdo o que faz, mas continua fazendo porque qualquer coisa seria digna do mesmo questionamento (possível ponte com os personagens de transpotting?).
Tá ian, mas isso tudo não está na farra que vocês estão fazendo. Não tenho tanta certeza, mas admito que é bem difuso. Pra mim (disse isso nesse último ensaio), entretanto, isso não é um problema. Mesmo.


....como normalmente, eu não tenho um ponto certo.
Mas queria chegar nessa transparência de que o que talvez devamos fazer seja simplesmente mudar o exercício - o que já decidimos fazer. E o que queremos dizer com o insônia? Eu não quero dizer nada, acho. Quero fazer uma coisa com as palavras - como diria Manoel.

riverrun

domingo, 12 de maio de 2013

sobre ensaios (3)


















04/05

(Tom Zé – O tribunal do feicebuqui, O Terno - 66)

Ontem muito interessante primeiro ensaio com a Laura. Primeiro também após o recesso, e após por no forno as primeiras ideias provocadoras de uma dramaturgia que se pretenda sólida. Sólida, não solada. Sim. Pois é o mais fácil, com o perdão da imagem boba, e do esforço chato na forma da língua (lembrei do encarte do Lamb Lies Down on Broadway, “the rhyme is planned, dummies”, então encarem como piada inofensiva sem problemas). É mais fácil suplantarmos a relação entres esses três corpos em prol de dizer o texto. Não me leve a mal, em outra parte, de modo algum longínqua e remota, faria sentido e culminaria numa linda cena. Aqui não, aqui é recusar-se a fazer o que nos propusemos a fazer.

O amor perdido, o amor desperdiçado, o amor pela culatra. Fiquei tentando traduzir Loss of Love. Ou Loveless. Pensava nisso pra caracterizar a relação do Aquiles, Pátroclo e Briseida no Troia, pós Briseida entregue ao Agamêmnon, quer dizer, pós e durante a entrega (ainda que se possa achar demais falar de amor aí, mas foi a experiência que eu vivi nos ensaios do Troia). O que só piora quando o Pátroclo morre. Lembrei de o Idiota, não lembro do nome do personagem, o do o que é felicidade e ele respondia planilhas, mais tarde ele se fodendo, meio humilhado por todo mundo, ele odiando o príncipe, o Idiota, ele na casa de veraneio da família da Lisavieta, tenta se matar, ou melhor, saca uma arma e diz que vai se matar, e o próprio príncipe, o Idiota, o demove da ideia. Sobram-lhe humilhações após essa cena patética.

Precisamos buscar na cena este estatuto patético, bem como, pra isso devemos ler possivelmente o texto do Kott sobre o Rei Lear e o Fim de Jogo, o grotesco, algo que provoque o riso, e por fim e por início o lamento estanque o debulhar-se chato, mas que não fique chato, a abordagem do GR é interessante, devemos a ele não deixar o texto num lugar em que o critiquemos, ou melhor. Apropriar-nos do texto de modo tal que a crítica endereçada a ele (GR) seja aquela não a que se esforce por fazer caber um humor inusitado ali. Onde cabe a angústia. Mas a crítica de que aquele sujeito não é um coitado, mas alguém que apesar de compactuar com subscrever-se no contrato cotidiano é alguém que sente que algo o assassina gradualmente, apesar de não compreender o que seja, uma gravata uma pergunta um nada.

Também o humor do ridículo.

A hipótese de começar a cena com o Me diga que vivi mais meia hora dentro deste horrível jato de luz. Encontrar os modos de não serem apenas a Laura e o Reinoso conservados numa posição imune à humilhação. Os corpos esticados e subjugados ou enfim, dentes arreganhados num sorriso, num riso débil, seja o que for.

Achei a cena com momentos lindos. Embolada, claro, quase sempre fica, estados ainda a ser aperfeiçoados, claro, quase sempre, mas gostei do jogo de estados entre os três. Entre os três, resignação: Ian – resignação que julga ir contra o que lhe é imposto, mas nada faz; Reinoso – resignação, porque tem o know how de como agir subjugado; Laura – resignação, apenas deseja que não demore muito.

Vi Willie e Winnie. Não sei quem, quem. Mas vi, love is lost lost is love. A música do David Bowie, só lembrei, não sei se tem de fato a ver.

Cuidar pra não irmos na cena numa direção diferente da do conto. Ou excessivamente diferente, se você preferir.


Amor humilhado, o solilóquio do ser ou não ser, na tradução do Millôr. Não sei se é tão a coisa, mas talvez seja melhor que a coisa. Amor humilhado.

domingo, 5 de maio de 2013

O que Gonzaguinha não cantou

O texto tinha uma frase do Borges que eu adoro: “Coube-lhe, como a todos, maus tempos para viver”.

Bom, eu estava diante de uma senhora de 59 anos e de uma jovem de quase 20 anos, ambas recém ingressas na faculdade de Letras, ambas com dificuldades na disciplina intitulada Teoria da Literatura. Eu tinha de explicar para elas algo que me parecia básico para quem quer estudar literatura, arte. Eu tinha que explicar para elas que o mundo é um lugar hostil.

(Dias antes estava à mesa com um garoto de 14 anos que não tinha a menor dúvida de que a maior parte dos seres humanos não vale a pena, e que o mundo é um lugar hostil. E ele sabia que quanto antes se conformasse com isso, antes ele desenvolveria estratégias de sobrevivência. Fruto de uma educação familiar e escolar que o levou a crer nisso desde cedo, ele parecia acreditar que a solução é o suicídio ou a resignação, mas não disse isso.)

Que viver não é uma benção, é uma maldição. Que o real é uma falta, que estar no mundo é doloroso, angustiante. Isso para dizer que a literatura aponta para aquilo que no real nos é insatisfatório. Mas dizer isso foi extremamente difícil. Como se explica para alguém que a vida dela é uma farsa? Que nós nunca seremos felizes. Que aquilo que elas estavam fazendo exatamente ali, naquele momento, estudar uma matéria da qual elas não gostavam, já dizia isso? Como dizer isso para alguém que ainda não tinha descoberto por conta própria? Eu tinha esse direito, de incutir a angústia da existência em duas inocentes que só queriam uma nota boa na prova? Como assim inocentes?

Eu perguntei, vocês estão entendendo? Quando eu digo que viver é uma merda? Que acordar, ir trabalhar, voltar pra casa, ver tevê e dormir é um saco? Elas balançaram a cabeça: sim. Devem entender, sei lá, talvez não pensem nisso o tempo todo, como eu, mas duvido que alguém consiga passar pela vida impunemente.

Logo aí em baixo o Sut estava falando de viver como livrar-se de problemas. Pois é. Mas como você conta isso pra alguém, assim?


sábado, 4 de maio de 2013

Sobre ensaios (2)


















[seguindo do dia 03/02]

No último ensaio, estávamos eu, Luísa e Ian. Lorrana decidiu não continuar. Ok, quer dizer, o que podíamos fazer a respeito fizemos, agora é seguir adiante. Chamei Reinoso, mas não sei se bebeu demais e não conseguiu acordar ou o que. O caso foi que não apareceu nem atendeu o celular. Tudo bem. Tudo bem agora, quer dizer, quando aí não está exatamente dentro. Sem contrato meio assim digo. Da última vez tínhamos trabalhado “o que é angústia”, dessa vez, fizemos “o que é felicidade”. Creio que nessa semana foram melhor os dois na improvisação, talvez também pela soltura oriunda da ideia geral que se faz de como se pode expressar corporalmente a felicidade. A angústia tenderia, de certa maneira, a ser menos móvel que a felicidade. Claro que não necessariamente, mas me pareceu que algo nesse sentido possa ter acontecido com Luísa e Ian. Lorrana foi muito mais móvel na semana passada que eles. Não que ser estático seja ruim, não é nada a princípio, mas no caso dos dois, acho que deu uma atrapalhada pra eles descobrirem coisas bacanas.

Tive grandes dificuldades de trabalhar com o tema da felicidade. Talvez seja difícil colocar alguém feliz no palco, simplesmente feliz, estado esse que não tenha sido precedido ou que seja seguido por uma desgraça. Ou então não tratar alguém feliz como um idiota, ou não ridicularizar sua felicidade, ou não mostra-lo ignorante de algo grave, ou não ser louco, enfim, é difícil mostrar uma alegria impune em cena. Geralmente, o que vemos é sempre uma alegria sofrida, sempre pra ser algo bonito – no sentido de ele é alegre apesar de ter sofrido provações ou ele foi alegre por um tempo até que aconteceu isso aí. Enfim redizendo o que disse acima. O que vivo e creio ser o mesmo para vários, mesmo porque Vinícius de Moraes já deu a dica propositiva perpetuada na canção: a alegria se mostra na experiência como fugaz e episódica, enquanto que a angústia é via de regra.

De modo que a cena a que chegamos por mais que seja extremamente idiota, por causa das ações da Luísa e do Ian que escolhi, elas são cheias de certa tristeza. Porque o que prevalece ao fim não são os movimentos nervosos. Mas uma interrupção da felicidade. A Luísa, primeiro faz umas danças, até que para “Me arrependi”, recomeça quase imediatamente após dizer, num movimento igualmente rápido, mas em sua forma é diferente do que fazia antes, até que termina voltando para o anterior, e novamente o interrompe diz, mais reflexiva “uma cara sossegada. A mesma que vejo todos os dias”. O Ian fazia umas apontações pro pé, pra cima, ia ao fundo, voltava com movimentos de bunda, sons idiotas, virava-se “Evidentemente sou um sujeito feliz”, ia em direção à parede dançando de modo estúpido, ainda mais se considerando que não havia música, parava-se, “Feliz e imóvel” voltava, era interrompido por algo em sua boca que tentava tirar, e até o fim da cena não conseguia.

Ou seja, na cena, é possível ler, a felicidade não consegue se manter contínua. É interrompida.
(nada de novo sob o sol, mas estamos na torcida)

domingo, 7 de abril de 2013

Sobre ensaios (1)



















03 de fevereiro (Abraçaço Caetano, The Hips of Tradition Tom Zé)

Ok. Tenho que passar a limpo o que escrevi a respeito do ensaio que rendeu a primeira cena. Enfim o primeiro ensaio, houve dois outros encontros que precederam mas não foram ensaios. Talvez ainda um terceiro. Um, o primeiro, ainda na pilha que deu o primeiro pontapé, antes da oficina do Amok, éramos eu, Lo e Ian. Ainda estávamos totalmente na dimensão da incompreensão quase total. Eu havia entendido uma coisa de minha proposta, Lorrana outra, e não sei o que Ian esperava, mas creio que algo mais próximo do que eu esperava. Utilizamos um horário que a Lorrana usava pros seus treinamentos. Então ela entendeu que queríamos treinar com ela. Naturalmente. Mas ficou de fora da sua expectativa a ideia que eu havia dito em poucas palavras, mas dito de todo modo. Que era o desejo de trabalhar o conto do Graciliano Ramos, e tentar ligar isso com a pesquisa dela sobre velhice, ou fosse o que fosse, pelo Dias Felizes, que ainda que não se aproxime de uma abordagem realista da velhice, num sentido estrito, é talvez uma maneira riquíssima de abordar o tema. E o treinamento. Tudo isso junto. Acho que ficou confusa a ideia. Ou melhor, tenho certeza que ficou confusa. Treinamos durante quase todo o tempo, quase ao fim, me sobrou capaz cerca de meia hora pra falar um pouco a respeito do que achava sobre o que queria falar do projeto que mal se delineava ali. Falei uma porção de coisas. Muitas delas eram bobagens, derivações talvez muito pobres do que havia muito recentemente lido no livro do Boal, o teatro do oprimido, levei pro encontro também o Grotowski, também dele derivei bobagens, mas em menor quantidade. Depois fui reparar na insuficiência do gesto de trazer materialmente (pessoalmente? Espiritualmente?) a bibliografia sem o gesto (não complementar, mas fundamental) de ser capaz de embasar seu discurso naqueles caras, ou coloca-los em questão, mais do que meramente ler até o fim, e pensar “parece inteligente, concordável”, e concordar e não acrescentar nada, aí é só fazer quem quer seja também ler o texto e apreciar como o escritor fulano de tal é virtuoso e inteligente.


Lembro-me de um segundo encontro. Estávamos todos, mas não sei por que não fizemos nada. Não consigo me lembrar. Nesse dia levei também o livro do Guattari. Vale o que eu disse a respeito dos outros dois, um pouco. Porque dessa vez estava falando mais especificamente do conto do Graciliano. Malhando uma cena que vimos, falando de como era contra-referência. Talvez aí, acho que já tinha assistido Morangos Silvestres, citei como referência no tocante a abordagem da velhice, e, não sei se citei, imagino que não, acho que porque inclusive vi nesse dia (ou foi no outro ensaio? No encontro anterior?), enfim, o caso é que tenho pra mim aquele serestando da moça lá do lume como espécie de contrarreferência por mais que lembrando agora, é possível que a dança dela, quando fazia a garotinha tenha se insinuado no meu aquecimento, quando agora entro em cena ou antes de ensaios, fico de certa maneira eufórico, corpo irrequieto, também me lembra o Stephane quando estávamos todos aquecendo, bem possível que eu procure copiar esses caras, mas no caso dele era algo mais ritmado, o dela tinha a impressão que tinha uma espécie de forma tal, mas não exatamente ritmado, ou melhor, ritmado, sim, mas não um ritmo regular, ah sei lá. Por que contra? Porque a descrição pretensamente mimética de certo modo asséptica me incomoda. De que vale o ator copiar uma imagem real, se dela não faz nenhum uso interessante senão mostrar sua própria capacidade virtuosa de ser capaz de imitar? Ouço represália pesada baixinho. Nada contra virtuoses, mas. Dou o desconto de ter se tratado de uma demonstração de trabalho, mas o incômodo não se extingue feita esta concessão. O velho por ser velho é já interessante? Como assim velho? Parece-me que assim se desconsidera toda sua história de vida, suas ideias, seus preconceitos, tudo, enfim, em prol de sua circunstância, ninguém é velho senão num devir. Ela não falava somente de velhos, ok. Refiro-me a esta parcela do trabalho. Bergman é bem mais inteligente. “Fumar não é um vício para mulheres” “Quantos anos o senhor tem?”. Sacou? É uma pessoa, não um velho. Às vezes parece que estamos sempre escapando ao momento de nos posicionar a respeito de qualquer coisa que seja.

Agora me dei conta: pensava que era serestar ser+estar, mas pensei em seresta. Serestar. Eita. Ainda que ache que seja a primeira ideia.

Acho que o segundo encontro foi um pouco esse papo. No terceiro, Lorrana não estava. Não tínhamos sala. Sentamos ali no Tolezano, falei um pouco sobre ideias que tive pro processo. Falei de que queria tentar proximidade com algumas ideias do Faustini. Maneiras de pensar nesse processo como algo a ser mostrado por aí. É certamente ilusão julgar que já iniciamos essa proximidade com postar os vídeos das cenas feitas no grupo do facebook. Acho que isso simplesmente facilita uma espécie de conhecimento comum a respeito do projeto pelo grupo inteiro, não apenas os que estão fazendo. Haveria mostra de processo no castelinho. Não sei . Expliquei o que gostaria de fazer no encontro seguinte. Que foi já em 2013. Sobre ele passo a limpo o que escrevi mais tarde.

[segue ainda]