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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O que eu pensei quando ouvi pela primeira vez Para sempre em cima, de David Foster Wallace



Meu corpo decretou falência.

A voz quente vinha da direita, o sustentava.

A visão foi turvando, a luz fria riscando as palavras no papel e o prazer da palavra chegando no corpo, sustentando o corpo exausto, o roçar da linguagem no outro, o desejo da/na palavra, linguagem, a voz.

Eu quis morrer, levantar e andar sem dizer nada a ninguém, só pular do alto da UERJ. Que uma fossa súbita me tragasse. A superfície áspera. Curioso o Ian também falar em morte e um amor eterno por ele assomou.

E o pensamento/apavoramento que volta lá no meio, como era a frase?, repete pra mim?
Vontade de chorar e trepar e gozar e morrer e uma vontade louca de escrever.

PÁRA! PÁRA UM SEGUNDO!

Uma massa sonora bizarra em volta do corpo sustentado pela voz. O que estamos fazendo aqui? Parece impossível que todo mundo esteja realmente tão entediado.

Vamos para um quarto de motel, um hotel barato de estrada, fumar e trepar o dia inteiro numa cidade de interior dessas que você odeia, mas não vamos sair na rua, talvez hoje seja o seu primeiro dia realmente público. O papel acabando, o que ainda cabe aqui? Olá.

[Adeus]

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Recorte do recorte de um livro do Milan Kundera, mas que me bateu muito próximo do lugar onde estamos trabalhando o Graciliano. Dêem uma lida e vejam o que acham. Eu gosto bastante, e me parece que o sr. Engelbert tem tudo a ver com o nosso protagonista, e portanto a reflexão que surge dele pode nos servir.




A cortina rasgada

Ainda uma visita a Praga depois de 1989. Da biblioteca de um amigo tiro, por acaso, um livro de Jaromir John, romancista tcheco do período entre as duas grandes guerras. O romance foi esquecido há muito tempo; chama-se [em francês] Le monstre à explosion, e o leio pela primeira vez naquele dia. Escrito aproximadamente em 1932, conta uma história que se passa uns dez anos antes, durante os primeiros anos da República tchecoslovaca, proclamada em 1918. O sr. Engelbert, conselheiro florestal no tempo do velho regime da monarquia dos Habsburgo, instala-se em Praga para passar ali sua aposentadoria; mas, chocado com a modernidade agressiva do jovem Estado, vai de decepção em decepção. Situação mais do que conhecida. Uma coisa, no entanto, é inédita: o horror deste mundo moderno, a maldição do sr. Engelbert, não é o poder do dinheiro nem a arrogância dos arrivistas, é o barulho; não o barulho antigo de uma tempestade ou de um martelo, mas o barulho novo dos motores, notadamente dos automóveis e das motocicletas: dos “monstros a combustão”.
            Pobre sr. Engelbert: ele se instala primeiro numa mansão num bairro residencial; ali os automóveis o fazem descobrir pela primeira vez o mal que transformará sua vida numa fuga sem fim. Muda-se para outro bairro, contente porque na sua rua os automóveis são proibidos de entrar. Ignorando que a proibição é apenas temporária, fica exasperado na noite em que ouve os “monstros a combustão” roncarem de novo embaixo da sua janela. Daí em diante só vai para a cama com algodão nos ouvidos, compreendendo que “dormir é o desejo humano mais fundamental, e que a morte causada pela impossibilidade de dormir deve ser a pior das mortes”. Procura o silêncio em hotéis no campo (em vão), na casa de antigos colegas em cidades do interior (em vão), e acaba passando as noites em trens que, com seu barulho doce e arcaico, possibilitam um sono relativamente pacífico em sua vida de homem traumatizado.
            Quando John escreveu esse romance, contava-se provavelmente com um carro para cada cem habitantes de Praga, ou quem sabe para cada mil. Tratava-se precisamente de quando ainda era raro que o fenômeno do barulho (barulho de motores) fosse considerado uma espantosa novidade. Deduzo disso uma regra geral: o alcance existencial de um fenômeno social não é perceptível com maior acuidade no momento de sua expansão, mas sim quando ele se encontra em seus primórdios, incomparavelmente mais fraco do que se tornará depois. Nietzsche assinala que no século XVI a Igreja na Alemanha era a mais corrompida que existia no mundo, e foi por causa disso que a Reforma começou, justamente ali, porque só “os primórdios da corrupção eram sentidos como intoleráveis”. A burocracia na época de Kafka era uma criança inocente em comparação com a de hoje, e foi no entanto Kafka que descobriu sua monstruosidade, que depois de tornou banal e não interessa a mais ninguém. Nos anos 60 do século XX, filósofos brilhantes submeteram a “sociedade de consumo” a uma crítica que se tornou ao longo dos anos tão caricaturalmente ultrapassada pela realidade que nos sentimos incomodados por precisar dela. Pois é necessário lembrar outra regra geral: enquanto a realidade não tem nenhuma vergonha de se repetir, o pensamento, em face da repetição da realidade, acaba sempre se calando.
            Em 1920, o sr. Engelbert ainda estava assustado com o barulho dos “monstros a combustão”; as gerações seguintes o acharam natural; depois de tê-lo horrorizado, adoecido, o barulho pouco a pouco remodelou o homem, por sua onipresença e permanência, acabando por inculcar nele a necessidade de barulho, e com isso toda uma outra relação com a natureza, o repouso, a alegria, a beleza, a música (que se tornou um fundo sonoro ininterrupto, perdendo o caráter de arte) e até mesmo com a palavra (que não ocupa mais como outrora um lugar privilegiado no mundo dos sons). Na história da existência, isso foi uma mudança tão profunda, tão duradoura que nenhuma guerra, nenhuma revolução jamais chegou a produzir coisa semelhante; uma mudança cujo começo Jaromir John modestamente assinalou e descreveu.
            Digo modestamente porque John era um desses romancistas a que chamamos de menores; no entanto, grande ou pequeno, era um romancista verdadeiro: ele não recopiava as verdades bordadas sobre a cortina rasgada da pré-interpretação; como Cervantes, ele teve a coragem de rasgar a cortina. Façamos o sr. Engelbert sair do romance de John! Pois, como a maioria de seus semelhantes, o sr. Engelbert está habituado a julgar a vida a partir daquilo que se pode ler na cortina suspensa sobre o mundo; sabe que o fenômeno do barulho, por mais desagradável que seja para ele, não é digno de interesse. Em contrapartida, a liberdade, a independência, a democracia, ou, vendo do ângulo oposto, o capitalismo, a exploração, a desigualdade, sim, cem vezes sim, essas são noções graves, capazes de dar sentido a um destino, de tornar nobre uma infelicidade! Também na autobiografia, que o vejo escrevendo com algodão nos ouvidos, ele dá uma grande importância à independência recuperada por sua pátria e ataca o egoísmo dos arrivistas; quanto aos “monstros a combustão”, relega-os a um pé de página, simples menção de um aborrecimento insignificante que, no fim das contas, se torna risível.

domingo, 5 de maio de 2013

O que Gonzaguinha não cantou

O texto tinha uma frase do Borges que eu adoro: “Coube-lhe, como a todos, maus tempos para viver”.

Bom, eu estava diante de uma senhora de 59 anos e de uma jovem de quase 20 anos, ambas recém ingressas na faculdade de Letras, ambas com dificuldades na disciplina intitulada Teoria da Literatura. Eu tinha de explicar para elas algo que me parecia básico para quem quer estudar literatura, arte. Eu tinha que explicar para elas que o mundo é um lugar hostil.

(Dias antes estava à mesa com um garoto de 14 anos que não tinha a menor dúvida de que a maior parte dos seres humanos não vale a pena, e que o mundo é um lugar hostil. E ele sabia que quanto antes se conformasse com isso, antes ele desenvolveria estratégias de sobrevivência. Fruto de uma educação familiar e escolar que o levou a crer nisso desde cedo, ele parecia acreditar que a solução é o suicídio ou a resignação, mas não disse isso.)

Que viver não é uma benção, é uma maldição. Que o real é uma falta, que estar no mundo é doloroso, angustiante. Isso para dizer que a literatura aponta para aquilo que no real nos é insatisfatório. Mas dizer isso foi extremamente difícil. Como se explica para alguém que a vida dela é uma farsa? Que nós nunca seremos felizes. Que aquilo que elas estavam fazendo exatamente ali, naquele momento, estudar uma matéria da qual elas não gostavam, já dizia isso? Como dizer isso para alguém que ainda não tinha descoberto por conta própria? Eu tinha esse direito, de incutir a angústia da existência em duas inocentes que só queriam uma nota boa na prova? Como assim inocentes?

Eu perguntei, vocês estão entendendo? Quando eu digo que viver é uma merda? Que acordar, ir trabalhar, voltar pra casa, ver tevê e dormir é um saco? Elas balançaram a cabeça: sim. Devem entender, sei lá, talvez não pensem nisso o tempo todo, como eu, mas duvido que alguém consiga passar pela vida impunemente.

Logo aí em baixo o Sut estava falando de viver como livrar-se de problemas. Pois é. Mas como você conta isso pra alguém, assim?


segunda-feira, 29 de abril de 2013

referências (1)

"(...) Deve-se reconhecer que o homem é um ser falho. Provavelmente nunca será possível harmonizar seu consciente, que é do seu espírito, com sua natureza, sua realidade, sua condição social, e sempre haverá uma 'insônia honrosa' naqueles que, por qualquer razão obscura, se sintam responsáveis pelo destino e pela vida do homem. Se houve alguém que dela sofreu, este foi o artista Tchekov, e toda a sua poesia era uma insônia honrosa, a procura pela resposta certa e salvadora à pergunta: 'O que devemos fazer?' Este termo era difícil de encontrar, se é que isso em geral é possível. Só uma coisa ele sabia com certeza: que a ociosidade e o deixar de trabalhar significam exploração e opressão. No conto A Noiva, aquele Sacha, que também, como Tchekov, é tuberculoso e deve morrer, diz a Nádia, que também não consegue dormir:

Compreenda pois: se sua mãe e sua avó nada fazem, significa que se aproveitam da vida do seu próximo, e será que isso é decente, não é uma injustiça?... Minha cara, vá embora! Mostre a todos que está farta desta vida impossível, cinzenta e pecaminosa! Mostre-o a si mesma! ...Juro que não se arrependerá. Vá embora. Vá estudar e deixar o destino guiá-la. Tão logo remodele a sua vida, tudo será diferente. O principal é remodelar a vida, todo o resto é secundário. Então vamos embora amanhã?

E Nádia realmente vai embora. Ela abandona sua família, seu noivo fútil, desiste do casamento e foge. É uma fuga das ligações com a classe, de uma forma de vida que sente ser atrofiada, falsa e 'pecaminosa', que muitas vezes se repete nas histórias de Tchekov, a mesma fuga que o velho Tolstoi empreendeu ainda no último instante".

MANN, Thomas. Ensaio Sobre Tchekov. In: Ensaios. Seleção de Anatol Rosenfeld. São Paulo: Perspectiva, 1988. pp. 54-55

e

The The - Jealous of Youth