Na primeira peça escrita por Arthur Adamov, "A Paródia" [La Parodie], há, no cenário, diversas peças tipicamente urbanas (um semáforo, uma árvore, luzes, um relógio - sem ponteiros) que, a cada cena, mudam de lugar no palco, tornando-se vários lugares e sempre o mesmo, ao mesmo tempo. Entre esses objetos de cenário há um cartaz de uma peça (ou filme - não entendi se era um teatro ou um cinema) que se lê "O amor vencendor" [L'amour vainqueur]; uma clara piada com os dois personagens principais, 'N' e 'O Empregado' [L'Employé]. Os dois parecem ser faces opostas de uma mesma moeda: ambos se apaixonam pela mesma mulher (assim como todos os personagens da história), Lili, mas reagem a isso de formas diversas. O primeiro, sofredor, está sempre pelos cantos, imóvel, miseravelmente agonizando sua desgraça; seu maior desejo é morrer - mas pelas mãos de Lili. O segundo, aparvalhado, não percebe que seu amor não é correspondido e insiste em aguardá-la onde ele pensa ter agendado um encontro (ainda que nunca tenha certeza de onde foi, nem que horas era - as horas que ele nunca consegue saber, porque o relógio não tem ponteiros). Seu amor sem sentido justifica, pelo menos para ele, seu viver absurdo, seu isolamento dos outros (ninguém se interessa pelo que ele diz, abandonando-o no meio das suas falas).
Adamov parece apresentar um cenário cínico do que vivemos: a procura incessante por algum sentido perdido a tudo que realizamos, a busca pela comunicação com os outros - que na peça é sempre interrompida, incompleta, incompreendida. [queria escrever uma frase como: <<onde nem o tempo e o espaço existem propriamente>> ou poderia ser <<quando nem o tempo e o espaço existem propriamente>> mas me parecia inadequado e paradoxal usar qualquer um dos dois pronomes, visto que não faz sentido dizer "onde" ou "quando" numa situação que não tem espaço ou tempo. Qual seria o pronome então?] Mesmo o tempo e o espaço não existem propriamente, as personagens não fazem nada, só aguardam umas as outras; elas não têm nomes - a exceção de Lili.
Apesar de também se comportar de forma absurda (vem e vai aleatoriamente, caminha sempre como um manequim, ignora os outros personagens, atendo-se somente aos seus desejos - uma atualização da Lulu de Wedekind), Lili é a causa de todas as ações, é por ela que todos os personagens fazem o que fazem, é por ela que os personagens aparecem, e são quem são. O que isso quer dizer? Não sei bem - estou escrevendo isso desde ontem e parei, porque não cheguei a nenhuma conclusão. Mas por exemplo: Lili traz algumas certezas para a vida das pessoas a sua volta. No terceiro quadro rola a seguinte cena: O Jornalista dança com Lili numa boate e diz: "Não estou exagerando, existem coisas que não se pode duvidar. Por exemplo, a beleza do olhar de Lili, esse lindo olhar tão azul e tão vazio." Ao que a Lili lhe responde, rindo "Claro, claro... mas, e sem contar o meu olhar?". O quadro termina nessa fala. A beleza de Lili é a única coisa que todos podem concordar, e por ela, agir, sempre absurdamente - ela é Helena de Tróia pós-moderna.
Tá, a peça é muito bacana, mas e o Insônia nisso? Bom, na minha cabeça a relação estava mais clara, mas agora me parece meio boba. Simplesmente: o personagem (também anônimo) do Insônia me parece não ter nem uma Lili - que, por mais absurda que seja, justifica as atitudes absurdas dos outros (pelo menos para eles mesmos). O amor que eles sentem por ela (que é um amor absurdo) traz sentido às suas ações, eu acho. No Insônia, o personagem se contorce, como N ou O Empregado, mas sem nada para redimi-lo. Se em "A Paródia", qualquer redenção é ridicularizada, no Insônia ela nem existe.
tá bom, quero postar logo, depois eu melhoro esse texto, senão eu não vou soltar isso nunca.
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