05 de fevereiro (Mesmerize e Hypnotize do SOAD)
Escrever
conforme lembrar das coisas. Ian falando do pai, que reservava para si o fim de
semana, para fazer nada em casa, do tipo que os amigos chamavam prum jantar
ele, segundo Ian, ah po que saco, e o Ian, po, jantar com seus amigos melhor
que ficar em casa fazendo nada. Segundo Ian o pai dele segue um pouco a lógica
de preciso de dinheiro pra minha vida (claro, todos seguimos, talvez me explique melhor ao longo). Ele ia mais na música que outra coisa.
Ian se estendeu mais nesse sentido sobre sua mãe, que queria trabalhar no
teatro, mas queria ter filho, e pra tanto, precisava de dinheiro então não
rolava se fiar no teatro, aí arrumou um trabalho no tribunal. E o pai disse que
tinha medo de se aposentar porque os amigos dele que tinham se aposentado
tinham virado taxistas, porque não tinham saco pra ficar em casa fazendo nada,
e ele não queria virar taxista. E o Ian, porra, ele não vai virar taxista, ele
toca pra cacete, ele é músico. (Vai entre aspas mas é como me lembro e um
registro totalmente adaptado não o que de fato foi dito)“meu pai também gosta
de consertar coisas, eletrodomésticos, coisas assim, sempre gostou, aí
ultimamente, trazem coisas pra ele, e ele numa de ‘ai cacete, olha só o que me
trouxeram pra consertar’, e eu de pai, só te trazem porque sabem que você gosta
de consertar as coisas, ele é eu sei ok, eu de então devolve diz que não vai
consertar e ele ‘não, agora que me trouxeram vou consertar’ ”. Eu disse retomando
a história da mãe do Ian, pegando a ideia de roteiro de vida para todos,
estrutura padronizada, ela deixou de seguir uma parada que ela queria fazer pra
ter filhos. Eu não vou entrar no mérito de se era de fato a vontade dela ou
não. A questão, me parece, é que ela é possível que tenha se visto na situação
de ok agora devo ter um filho, quer dizer, agora quero ter um filho para isso
preciso de dinheiro e teatro não me dá. Como a minha irmã fez agora, está
fazendo. Quer dizer, tomara que ela arrume um emprego que tenha a ver com as
coisas que ela gosta de fazer. Espero muito sinceramente que sim. Enfim. Luísa sobre a avó, a Rachel. Coisas que ela gostava de fazer, andar na
rua das pedras, sair nos desfiles numa boa no Império Serrano, dirigir o carro
pros lugares, Búzios também?, é possível, e agora gradualmente vendo-se
impedida pela idade implacável, Luísa diz que isso pra ela é totalmente
angustiante, a velhice derrubando o sujeito, impedindo a pessoa de fazer o que
ela sempre fez. Porque não há meios, forças. Ian não achou tão angustiante. Não
me lembro por que. Eu acho. Imagino eu que gosto de correr, um dia me ver
totalmente fodido de artrite, que caso corra desmonto minhas articulações,
desmonto claro com muita dor e fisioterapia. Puta que pariu sai pra lá.
Falando
sobre gostar do trabalho ou simplesmente aturar pela grana. Minha irmã me
sugeriu um concurso do BNDES, eu perguntei, emprego fazendo o quê? E ela:
importa? Paga bem. E eu, cara, tenho medo de entrar numa dessas e nunca mais sair
e não fazer da minha vida o que eu quero. E ela torceu o nariz, e eu, ok não tô
falando, foda-se tudo quero perseguir meus sonhos, tô falando de algo concreto,
encontrar meios de transformar aquilo com que quero trabalhar em algo possível
de me sustentar. Claro que não falei tudo isso. Mas falei de fazer o que gosto
de fazer. E ela, cara, o que eu gosto de fazer é viajar e sair, etc., pra isso
eu preciso de dinheiro, então pra mim quanto mais burocrático o trabalho,
melhor. Eu pensei, ok, entendo, mas discordo. Ou melhor, isso não se aplica a
mim.
Eu
anotei quando o Ian falou, Viver como livrar-se de problemas. Não sei citando quem. Viver
é livrar-se de problemas. Viver é um problema. Logo, para viver é preciso
livrar-se de viver, isto é, morrer, seja metafórica ou literalmente. Cadáver adiado que procria.
Não
devo retornar aos assuntos de discussão, a menos que lembre de coisas. Pedi a
eles que pegassem trechos do insônia para trabalhar no próximo ensaio. Que nos
trechos houvesse “Sim ou Não?”. Evidentemente, como bom incompetente, não sei
ainda o que farei. Talvez trabalhar estados. Se tentar me aventurar pelo
exercício do Amok, corro o risco de não obter resultados interessantes, ou
melhor, de não saber lidar com o fato de não ter diante de mim um produto
acabado. Não sei se saberei conduzir. Nesse sentido talvez seja melhor o
exercício do Giro. Ainda que não se trate de maneira estrita de estado, mas de
uma qualidade de movimento que impõe um certo modo análogo à fala. O sentimento
vem, mas é segundo, vem através da disposição do corpo. No exercício do Amok o
sentimento é primeiro e o corpo é segundo. Podemos brincar com ambos. O
problema do do Amok é que não sei quando pode entrar o texto.
Pensei numa passagenzinha que
talvez possa constar num pano de fundo sonoro do Haroldo de Campos
múrmur-rúmor-remurmunhante. Outro cheiro velho cheiro de coisas velhas.
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