sábado, 4 de maio de 2013

apêndice ao sobre ensaios (2)

05 de fevereiro (Mesmerize e Hypnotize do SOAD)

Escrever conforme lembrar das coisas. Ian falando do pai, que reservava para si o fim de semana, para fazer nada em casa, do tipo que os amigos chamavam prum jantar ele, segundo Ian, ah po que saco, e o Ian, po, jantar com seus amigos melhor que ficar em casa fazendo nada. Segundo Ian o pai dele segue um pouco a lógica de preciso de dinheiro pra minha vida (claro, todos seguimos, talvez me explique melhor ao longo). Ele ia mais na música que outra coisa. Ian se estendeu mais nesse sentido sobre sua mãe, que queria trabalhar no teatro, mas queria ter filho, e pra tanto, precisava de dinheiro então não rolava se fiar no teatro, aí arrumou um trabalho no tribunal. E o pai disse que tinha medo de se aposentar porque os amigos dele que tinham se aposentado tinham virado taxistas, porque não tinham saco pra ficar em casa fazendo nada, e ele não queria virar taxista. E o Ian, porra, ele não vai virar taxista, ele toca pra cacete, ele é músico. (Vai entre aspas mas é como me lembro e um registro totalmente adaptado não o que de fato foi dito)“meu pai também gosta de consertar coisas, eletrodomésticos, coisas assim, sempre gostou, aí ultimamente, trazem coisas pra ele, e ele numa de ‘ai cacete, olha só o que me trouxeram pra consertar’, e eu de pai, só te trazem porque sabem que você gosta de consertar as coisas, ele é eu sei ok, eu de então devolve diz que não vai consertar e ele ‘não, agora que me trouxeram vou consertar’ ”. Eu disse retomando a história da mãe do Ian, pegando a ideia de roteiro de vida para todos, estrutura padronizada, ela deixou de seguir uma parada que ela queria fazer pra ter filhos. Eu não vou entrar no mérito de se era de fato a vontade dela ou não. A questão, me parece, é que ela é possível que tenha se visto na situação de ok agora devo ter um filho, quer dizer, agora quero ter um filho para isso preciso de dinheiro e teatro não me dá. Como a minha irmã fez agora, está fazendo. Quer dizer, tomara que ela arrume um emprego que tenha a ver com as coisas que ela gosta de fazer. Espero muito sinceramente que sim. Enfim. Luísa sobre a avó, a Rachel. Coisas que ela gostava de fazer, andar na rua das pedras, sair nos desfiles numa boa no Império Serrano, dirigir o carro pros lugares, Búzios também?, é possível, e agora gradualmente vendo-se impedida pela idade implacável, Luísa diz que isso pra ela é totalmente angustiante, a velhice derrubando o sujeito, impedindo a pessoa de fazer o que ela sempre fez. Porque não há meios, forças. Ian não achou tão angustiante. Não me lembro por que. Eu acho. Imagino eu que gosto de correr, um dia me ver totalmente fodido de artrite, que caso corra desmonto minhas articulações, desmonto claro com muita dor e fisioterapia. Puta que pariu sai pra lá.

Falando sobre gostar do trabalho ou simplesmente aturar pela grana. Minha irmã me sugeriu um concurso do BNDES, eu perguntei, emprego fazendo o quê? E ela: importa? Paga bem. E eu, cara, tenho medo de entrar numa dessas e nunca mais sair e não fazer da minha vida o que eu quero. E ela torceu o nariz, e eu, ok não tô falando, foda-se tudo quero perseguir meus sonhos, tô falando de algo concreto, encontrar meios de transformar aquilo com que quero trabalhar em algo possível de me sustentar. Claro que não falei tudo isso. Mas falei de fazer o que gosto de fazer. E ela, cara, o que eu gosto de fazer é viajar e sair, etc., pra isso eu preciso de dinheiro, então pra mim quanto mais burocrático o trabalho, melhor. Eu pensei, ok, entendo, mas discordo. Ou melhor, isso não se aplica a mim.

Eu anotei quando o Ian falou, Viver como livrar-se de problemas. Não sei citando quem. Viver é livrar-se de problemas. Viver é um problema. Logo, para viver é preciso livrar-se de viver, isto é, morrer, seja metafórica ou literalmente. Cadáver adiado que procria.

Não devo retornar aos assuntos de discussão, a menos que lembre de coisas. Pedi a eles que pegassem trechos do insônia para trabalhar no próximo ensaio. Que nos trechos houvesse “Sim ou Não?”. Evidentemente, como bom incompetente, não sei ainda o que farei. Talvez trabalhar estados. Se tentar me aventurar pelo exercício do Amok, corro o risco de não obter resultados interessantes, ou melhor, de não saber lidar com o fato de não ter diante de mim um produto acabado. Não sei se saberei conduzir. Nesse sentido talvez seja melhor o exercício do Giro. Ainda que não se trate de maneira estrita de estado, mas de uma qualidade de movimento que impõe um certo modo análogo à fala. O sentimento vem, mas é segundo, vem através da disposição do corpo. No exercício do Amok o sentimento é primeiro e o corpo é segundo. Podemos brincar com ambos. O problema do do Amok é que não sei quando pode entrar o texto.

Pensei numa passagenzinha que talvez possa constar num pano de fundo sonoro do Haroldo de Campos múrmur-rúmor-remurmunhante. Outro cheiro velho cheiro de coisas velhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário