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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Relações

Reinoso disfarça, tentando decorar o texto antes do ensaio
Escrevi essas impressões sobre os ensaios anteriores à apresentação que fizemos esse fim de semana, os mesmos de que o Ian falou nesse último texto dele e outros em que ele mesmo não estava. Houve uma pausa nos ensaios, e quando estes foram retomados, o Ian tinha fugido pra Europa, embora o Reinoso tenha garantido que eles estavam ensaiando via skype, mas eu não acreditei.


Então os ensaios foram retomados com Reinoso e Laura. Sobre a relação dos dois que começou a aparecer, fiquei com a impressão de que ela era permeada pelo apavoramento. Num dos primeiros ensaios que eu assisti, o Reinoso lia o texto do Mattoso que acabou entrando na cena: "O medo é tão fundamental que, na Inquisição, os dois primeiros graus da tortura eram ameaçá-lo de ser torturado e levá-lo até a câmara de tortura. O mero ato de mostrar a você toda a parafernália de ferramentas levava o nome de territio, isto é, apavoramento." E isso apareceu em cena, uma relação em que um ameaçava o outro, mas pouco acontecia de fato. Os objetos que começavam a aparecer, pasta de dente, isqueiro, livro, algema, eram usados num jogo de provocação, em que ele agia mais, mas que continha uma agressividade quase constante. O curioso é que depois de alguns dias o Reinoso ainda disse que com a Laura ele se sentia mais impotente do que com o Ian, ao que o Sut respondeu: "é, cara, mulher é foda...". O que eu achei curioso é que olhando de fora eu não tive essa sensação, pelo contrário, achei uma relação muito mais equilibrada do que a que surgiu com o Ian, até mesmo porque muito menos intensa, muito mais cada um na sua e uma trepadinha de vez em quando só pra quebrar a monotonia.

Reação da Laura ao saber que o Ian ia voltar no próximo ensaio
Quando o Ian voltou, curiosamente a Laura não podia ensaiar, então tivemos um novo período de ensaios só com dois atores. A relação criada por eles foi de uma outra ordem, cômica, um pouco clownesca, um jogo de trapaças. O Ian se mostrava sempre um tanto subserviente e mais frágil que o Reinoso, numa relação muito reverencial, mas olhando de fora, tinha a sensação de que os dois tinham a mesma força, e que fazia parte do jogo estabelecido por eles o Ian se colocar abaixo. Chegamos a falar em algo como  irmãomaisnovo-irmãomaisvelho. Também era algo muito agressivo, de provocações, mas muito engraçado. (Muito). O Ian começou a aparecer para mim como aquele que concentra mais as dores do conto do Graciliano, o cidadão comum, respeitável. Reinoso estava com a preocupação do Espírito Obsessor que ele escreveu aqui há uns dias atrás, mas com o Ian isso fica bem menos aparente. Mas embora seja sempre o Ian que vai lá incomodar ele, ele tem reações grandes, quase desmedidas, e imediatas, o que eu acho muito bom. 
Reinoso tentando tirar cisco do olho do Ian

Porque esses dois períodos foram muito legais e produtivos, e porque nós temos mania de achar que coisas simétricas funcionam, nós achamos genial a idéia de fazer um ensaio só com a Laura e o Ian. Só que nós tivemos tempo apenas para um ensaio, porque tínhamos apresentação marcada e o mundo gira e a Lusitana roda. Apareceram dificuldades grandes na relação entre eles, uma relação agressiva, violenta e hostil em alguns momentos e que era pouco permeável. Vendo de fora tive muita dificuldade de elaborar algo sobre as improvisações deles, em parte também porque elas foram pouco trabalhadas, em termos de quantidade de ensaios mesmo. As provocações que apareciam entre Reinoso-Laura e Reinoso-Ian também compareceram aqui, mas de uma outra ordem, em que o masculino/feminino fica mais evidente. Mas ainda é uma relação a ser trabalhada, mesmo que seja para descobrirmos que é melhor que ela não exista.

É claro que quando juntamos os três, na véspera da apresentação, novos sentidos se estabeleceram nessas relações, mas aí é outro papo.

Flagrante do diretor tentando se matar após um ensaio muito ruim

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

sobre ensaios (6), notas em itálico sobre o(s) último(s) ensaio(s)

Depois do ensaio de segunda, 16
Tem um tremor que me antecede os começos dos ensaios, um tremor conhecido, frio na barriga, na espinha, deve ser, quando vejo o palco vazio e recebe-se uma direção normalmente simples, de começo, andar pelo espaço, isso e aquilo, e olho pro espaço vazio e começo. Essa frase foi longa e mal escrita. Não mereço isso.
Tem, a partir desse começo com tremor estranho reconhecido (frio na barriga ou espinha), uma energia sexual forte em como se anda, se olha, se toca (claro) etc. O Reinoso sempre sabe andar pelo espaço do jeito certo. Talvez por esse prazer em ensaiar eu ache que o que estou fazendo está certo.
Acho que o palco precisa de 3 pessoas para equilibrar; simultaneamente, também acho que quero ensaiar só eu e Laura antes de sábado.

Depois do ensaio de terça, 17
Tem uma presença escura escusa que se movimenta, não é invisível, é a própria não-visão, sabe, o próprio escuro. Um peso preso que atravessa o palco como um dinossauro rex passando perto (os copos de água e de gelatina tremem). Como é mesmo aquela frase do ciúme, sut? Aquilo é mesmo muito certo, não é? A nossa relação ainda não está muito clara pra gente, Laura diz, e eu penso em atos falhos. E a frase do silêncio, qual é? E a frase do corpo, sut, qual é? Fala alguma coisa, sut. Está falando comigo? O limite do foda-se e do cuidado é a origem de toda e qualquer moral, não? Não estou entendendo, talvez porque não queira entender, acho esnobe, fácil. Temos que tomar cuidado com egotrip, eu disse depois pra Laura. O ensaio tinha sido um estranho retorno pra mim, esses últimos três ensaios.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Primeiro tratamento

O Grupo TARJa convida os amigos para o primeiro tratamento de INSÔNIA, projeto que vem desenvolvendo desde o final do ano passado. Baseado no conto homônimo de Graciliano Ramos e na peça Dias felizes, de Samuel Beckett, o espetáculo, com direção de Felipe Sut, está sendo construído a partir dos experimentos que o grupo desenvolve em sala de ensaio. Essas duas primeiras apresentações abertas ao público funcionarão como uma pequena mostra de processo que, a partir da recepção do público ao que é proposto, alimentará a criação. Com estréia prevista para novembro, INSÔNIA conta com um elenco formado por Ian Capillé, Laura Collor e Rodrigo Reinoso. Contamos com a presença de todos!




segunda-feira, 10 de junho de 2013

nexos, amplexos, sexos e reflexos

Nonada
fazer sentido o que quer dizer? Qual o limite disso?
qaundoqumasentça com messa a f setid?
inguinorâncias

talvez o lugar que queremos chegar não seja fazer sentido, mas se fazer entender; esse lugar de criar uma linguagem no momento mesmo da mensagem, num canal ainda não testado entre aliens. Como se comunica com aliens?
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensagem_de_Arecibo
Mas os espectadores a princípio não são aliens: compartilhamos algumas coisas, embora seja sempre duvidoso O QUE precisamente compartilhamos. Quando eu enuncio qualquer frase, pensando, com ela, evocar algum significado específico através de seus elementos (letras, sons etc) para que meu receptor decodifique aquele código e acesse esse sentido é pouco provável que ele compreenda exatamente o mesmo significado que eu tentei conceber. Em verdade, muitas vezes, a própria compreensão acerca do código é diversa, o que, claramente, gerará compreensões diferentes sobre uma mesma sentença. Em maior e menor grau. Reformulando muito simplesmente, a comunicação é algo muito truncado e pouco confiável. Acho isso bobo - bem fácil de entender. Entretanto, também me parece plausível que a linguagem tenha algum sucesso, uma vez que, empiricamente, alguma coisa, mesmo que pouca, é compartilhada: conseguimos conversar, propor e discordar, fazer ciência e escrever textos como esse com um certo nível de sofisticação e, provavelmente, somos compreendidos pelos nossos companheiros. Acho que quem está me lendo é capaz de acompanhar minhas palavras.
Isso é um ponto.

Outro é aquela velha história de que, se for somente pra eu comunicar alguma coisa, transmitir alguma mensagem certa, ter algum sentido fechado, o melhor é escrever um texto dissertativo, um bilhete que fosse e dar ao público. Se não queremos fazer isso é porque isso não é suficiente para expor todo o significado que queremos mostrar com essa obra: há algo a ser dito que extrapola as possibilidades dos códigos já estabelecidos. Talvez a diferença entre o narrar e o informar do Benjamin.
Daí a ideia de estabelecer códigos novos no mesmo instante em que transmito a mensagem: como bebês em convívio com adultos falantes que lentamente começam a se inteirar das sutilezas daquela linguagem.

Bom, isso também me parece bem óbvio, tipo, fácil. Daí vem o seguinte: temos alguma mensagem? Foi isso que me roeu roeu sim ou não sim ou não ininterruptamente no colchão no último ensaio.


Sut me inqueria, eu sabia que tinha uma resposta - tinha que ter uma resposta. Não somos tão non-sense quanto queremos ser. Sut e Bruno dizem que temos que construir sentido antes de destruí-lo, e o Sut acrescentou agora que esse processo de desconstrução não pode ser racional, porque seria paradoxal. Será que não temos sentido no que fazemos? Concordamos sobre muitas coisas: 1) o conto NARRA uma história: um homem acorda no meio da noite por uma luz externa, o que seria ordinário, mas hoje vem uma pergunta absurda "sim ou não". Ele não consegue voltar a dormir, levanta-se, senta e fuma. Em seus devaneios, percebemos flashes de como é seu quarto, de que ele é um sujeito comum, cidadão comum, gravata, feliz e infeliz, faz as mesmas coisas todos os dias. Isso é o escrito, indiscutível (médio); 2) o conto parece evocar um tipo comum de pessoa que conhecemos; alguém que não vê sentido em nada o que faz e por isso não sabe por quê fazê-las, as faz porque é o que deve fazer e isso evita que ele pense por quê as faz, o que facilitaria viver, algo do tipo; 3) também me parece comum acordo que nenhum de nós acha isso bom, nenhum de nós faria como esse personagem cidadão-comum e que, portanto, a nossa cena falaria contra esse tipo de vida. Ou no mínimo, apontaria o absurdo de ser assim. Nosso personagem, ele, pelo menos reconhece que é um absurdo o que faz, mas continua fazendo porque qualquer coisa seria digna do mesmo questionamento (possível ponte com os personagens de transpotting?).
Tá ian, mas isso tudo não está na farra que vocês estão fazendo. Não tenho tanta certeza, mas admito que é bem difuso. Pra mim (disse isso nesse último ensaio), entretanto, isso não é um problema. Mesmo.


....como normalmente, eu não tenho um ponto certo.
Mas queria chegar nessa transparência de que o que talvez devamos fazer seja simplesmente mudar o exercício - o que já decidimos fazer. E o que queremos dizer com o insônia? Eu não quero dizer nada, acho. Quero fazer uma coisa com as palavras - como diria Manoel.

riverrun

domingo, 12 de maio de 2013

sobre ensaios (3)


















04/05

(Tom Zé – O tribunal do feicebuqui, O Terno - 66)

Ontem muito interessante primeiro ensaio com a Laura. Primeiro também após o recesso, e após por no forno as primeiras ideias provocadoras de uma dramaturgia que se pretenda sólida. Sólida, não solada. Sim. Pois é o mais fácil, com o perdão da imagem boba, e do esforço chato na forma da língua (lembrei do encarte do Lamb Lies Down on Broadway, “the rhyme is planned, dummies”, então encarem como piada inofensiva sem problemas). É mais fácil suplantarmos a relação entres esses três corpos em prol de dizer o texto. Não me leve a mal, em outra parte, de modo algum longínqua e remota, faria sentido e culminaria numa linda cena. Aqui não, aqui é recusar-se a fazer o que nos propusemos a fazer.

O amor perdido, o amor desperdiçado, o amor pela culatra. Fiquei tentando traduzir Loss of Love. Ou Loveless. Pensava nisso pra caracterizar a relação do Aquiles, Pátroclo e Briseida no Troia, pós Briseida entregue ao Agamêmnon, quer dizer, pós e durante a entrega (ainda que se possa achar demais falar de amor aí, mas foi a experiência que eu vivi nos ensaios do Troia). O que só piora quando o Pátroclo morre. Lembrei de o Idiota, não lembro do nome do personagem, o do o que é felicidade e ele respondia planilhas, mais tarde ele se fodendo, meio humilhado por todo mundo, ele odiando o príncipe, o Idiota, ele na casa de veraneio da família da Lisavieta, tenta se matar, ou melhor, saca uma arma e diz que vai se matar, e o próprio príncipe, o Idiota, o demove da ideia. Sobram-lhe humilhações após essa cena patética.

Precisamos buscar na cena este estatuto patético, bem como, pra isso devemos ler possivelmente o texto do Kott sobre o Rei Lear e o Fim de Jogo, o grotesco, algo que provoque o riso, e por fim e por início o lamento estanque o debulhar-se chato, mas que não fique chato, a abordagem do GR é interessante, devemos a ele não deixar o texto num lugar em que o critiquemos, ou melhor. Apropriar-nos do texto de modo tal que a crítica endereçada a ele (GR) seja aquela não a que se esforce por fazer caber um humor inusitado ali. Onde cabe a angústia. Mas a crítica de que aquele sujeito não é um coitado, mas alguém que apesar de compactuar com subscrever-se no contrato cotidiano é alguém que sente que algo o assassina gradualmente, apesar de não compreender o que seja, uma gravata uma pergunta um nada.

Também o humor do ridículo.

A hipótese de começar a cena com o Me diga que vivi mais meia hora dentro deste horrível jato de luz. Encontrar os modos de não serem apenas a Laura e o Reinoso conservados numa posição imune à humilhação. Os corpos esticados e subjugados ou enfim, dentes arreganhados num sorriso, num riso débil, seja o que for.

Achei a cena com momentos lindos. Embolada, claro, quase sempre fica, estados ainda a ser aperfeiçoados, claro, quase sempre, mas gostei do jogo de estados entre os três. Entre os três, resignação: Ian – resignação que julga ir contra o que lhe é imposto, mas nada faz; Reinoso – resignação, porque tem o know how de como agir subjugado; Laura – resignação, apenas deseja que não demore muito.

Vi Willie e Winnie. Não sei quem, quem. Mas vi, love is lost lost is love. A música do David Bowie, só lembrei, não sei se tem de fato a ver.

Cuidar pra não irmos na cena numa direção diferente da do conto. Ou excessivamente diferente, se você preferir.


Amor humilhado, o solilóquio do ser ou não ser, na tradução do Millôr. Não sei se é tão a coisa, mas talvez seja melhor que a coisa. Amor humilhado.