Hoje, pensando sobre o Insônia, lembrei de um texto que escrevi há muito tempo atrás. Resolvi correr atrás dele pra reler, respirar... Fui ao meu blog pessoal, desses onde a gente escreve bobagens pretensiosas e depois de anos ri um bocado. Lá estava ele, datado de quase 4 anos atrás (daqui a um mês ele faz aniversário) e resolvi dividir ele aqui. Afinal, apesar de bobagem pretensiosa, já tá na rede mesmo, então, que mal tem?
Na verdade, não acho que exista relação direta entre esse texto e esse nosso novo projeto... talvez imagens, sons, nada mais. Mas queria estrear a minha participação aqui com uma exposição primordialmente afetiva, que, a despeito do talento e inteligência dessa equipe, é o que me faz, em primeiro lugar, querer estar com vocês em mais essa longa jornada palco adentro.
Aí vai:
PORQUE ESTRELAS CAEM
A chuva caía insistentemente lá fora. Gotas gordas que pareciam querer lavar do mundo marcas de molho de tomate e sangue. Que batiam pesadas sobre as telhas sujas da casa e vibravam o teto, as paredes, o chão, a cama. Ele estava jogado na cama. Seu corpo nu, torcido como um pano encharcado, arfava lentamente no ritmo de uma respiração que remetia, por algum estranho motivo, ao choro de um violino. Seus cabelos ainda úmidos do longo banho quente escondiam-lhe o rosto, e apenas por uma fresta entre os fios molhados podia-se ver seus lábios frouxos gotejados de vapor.
A chuva caía incessantemente lá fora. O quarto escuro estava tomado por um vapor tranqüilo típico dos longos banhos quentes. O mesmo vapor que gotejava aqueles lábios frouxos e umedecia a roupa de cama manchada de molho de tomate e sangue. Seu corpo vibrava levemente com o peso das gotas nuas que golpeavam o telhado e provocavam ligeiras mudanças de tom na música da respiração. Apenas por uma fresta entre a parede - fria - e a porta - seca - podia-se ver um fio de luz.
A chuva caía insensatamente lá fora. Na noite fria, gotas secas açoitavam as telhas encardidas de angústia e amargura com a mesma intensidade que uma multidão aplaude uma estrela de cinema. O som das palmas efusivas engolia o lamento do violino e provocava em seu corpo nu, ligeiras mudanças de ritmo. Seus lábios frouxos, não mais gotejados de tranqüilidade, agora se contraíam de tempos em tempos, como se buscassem uma palavra inexistente que acompanhasse a vibração do teto, das paredes, do chão, da cama.
A chuva caía insensivelmente lá fora. Seus cabelos já quentes, não mais lhe escondiam o rosto. De tempos em tempos ele piscava os olhos com a mesma intensidade que uma multidão aplaude Deus. O olhar nu se acostumando ao único fio de luz que banhava o quarto e que vinha do cômodo ao lado, de uma televisão ligada, onde uma estrela de cinema filosofava sobre angústia e amargura. O movimento ritmado das pálpebras guiou seus olhos secos até a mancha de molho de tomate e sangue no lençol. O violino gritou.
A chuva caía insuficientemente lá fora. O grito do violino devorava o barulho gordo das gotas encardidas. Seu olhar frouxo golpeou a cortina que remetia, por algum estranho motivo, ao vapor de um banho quente. Seu corpo nu, agora coberto de manchas e filosofias, dirigiu-se à multidão que açoitava o vidro da janela. Escancarou-a. O violino guinchou. A estrela de cinema, que era ele, pôde sentir o vento frio gotejar seus lábios de dor. Lábios que se contraíam de tempos em tempos, como se buscassem uma palavra inexistente. Palavra que cuspiu um segundo antes. Deus?
O corpo caía insignificantemente lá fora.
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