domingo, 5 de maio de 2013

O que Gonzaguinha não cantou

O texto tinha uma frase do Borges que eu adoro: “Coube-lhe, como a todos, maus tempos para viver”.

Bom, eu estava diante de uma senhora de 59 anos e de uma jovem de quase 20 anos, ambas recém ingressas na faculdade de Letras, ambas com dificuldades na disciplina intitulada Teoria da Literatura. Eu tinha de explicar para elas algo que me parecia básico para quem quer estudar literatura, arte. Eu tinha que explicar para elas que o mundo é um lugar hostil.

(Dias antes estava à mesa com um garoto de 14 anos que não tinha a menor dúvida de que a maior parte dos seres humanos não vale a pena, e que o mundo é um lugar hostil. E ele sabia que quanto antes se conformasse com isso, antes ele desenvolveria estratégias de sobrevivência. Fruto de uma educação familiar e escolar que o levou a crer nisso desde cedo, ele parecia acreditar que a solução é o suicídio ou a resignação, mas não disse isso.)

Que viver não é uma benção, é uma maldição. Que o real é uma falta, que estar no mundo é doloroso, angustiante. Isso para dizer que a literatura aponta para aquilo que no real nos é insatisfatório. Mas dizer isso foi extremamente difícil. Como se explica para alguém que a vida dela é uma farsa? Que nós nunca seremos felizes. Que aquilo que elas estavam fazendo exatamente ali, naquele momento, estudar uma matéria da qual elas não gostavam, já dizia isso? Como dizer isso para alguém que ainda não tinha descoberto por conta própria? Eu tinha esse direito, de incutir a angústia da existência em duas inocentes que só queriam uma nota boa na prova? Como assim inocentes?

Eu perguntei, vocês estão entendendo? Quando eu digo que viver é uma merda? Que acordar, ir trabalhar, voltar pra casa, ver tevê e dormir é um saco? Elas balançaram a cabeça: sim. Devem entender, sei lá, talvez não pensem nisso o tempo todo, como eu, mas duvido que alguém consiga passar pela vida impunemente.

Logo aí em baixo o Sut estava falando de viver como livrar-se de problemas. Pois é. Mas como você conta isso pra alguém, assim?


2 comentários:

  1. Ian me convidou pra comentar qualquer coisa aqui, e comento que achei muito bacana o blog e o projeto. Agora, me incomodou o contraste entre a muito elegante pergunta motivadora do trabalho (o "sim ou não?") e o tom dogmático desse texto mais recente. Me chamou a atenção que a personagem da monitora de teoria da literatura não se pergunta "sim ou não" quando está diante das duas alunas ou do rapaz de 14 anos. Ela parece ter certeza sobre quem entre esses sujeitos deve ser evangelizado.

    Em todo caso, achei bonita e bem colocada a frase "como assim inocentes?" e achei bonitinha a provocação do título. Quando li o texto senti vontade de me contrapor ao pessimismo meio adolescente dele, e me lembrei dessa música:

    http://www.youtube.com/watch?v=aqd06SEJndQ

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  2. a monitora não era uma personagem, era eu, mesmo.

    e acho que não se trata de evangelizar ninguém. havia um texto (do qual eu não gosto) que eu devia explicar, porque estava na posição de monitora, e nele estava esse conceito (com o qual eu concordo) que eu não consegui explicar. não quis colocar a referência do texto na hora, mas agora vejo que foi uma bobagem, trata-se de "A criação do texto literário", da Leyla Perrone-Moisés, no livro "Flores na escrivaninha". não gosto dele porque acho meio ingênuo-babaquinha, com um certo otimismo adolescente.

    sobre o adolescente, o citei para tentar registrar a minha sensação de impotência, sensação de que se a pessoa não entendeu sozinha aquilo que eu estava tendando explicar, era muito dificíl que conseguisse comigo ali só falando em 60 minutos. falo das idades também para trazer a idéia de que não se trata de amadurecimento ou coisa do tipo.

    além disso, não acho que o "sim ou não" seja a pergunta motivadora do projeto e nem acho que tenha nada a ver com o que está dito nesse texto.

    mas curti a música.

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