terça-feira, 18 de junho de 2013

sobre ensaios (5), Ian

















Falação a beça penúltimo ensaio. Levei alguns trechos de coisas. Percebi a necessidade que tenho de fazer todos entrarem em contato com algo ruim. E que isso aflore. E foda-se. Mentira, não foda-se. Mas, mau, é sempre tentador falar foda-se. Mas aqui algo não negativo. Bom. Não li, mas um livro de poemas da Estrela Ruiz, filha do Leminski e da Ruiz, chama-se “poesia é não”. Adoro este título. Roubo e digo: aqui, insônia é não. E lembro da via negativa do Grotowski, no laboratório, desistir de não fazer.

Medo, o rato que rói as minhas entranhas. Todos somos monstros. O corte gravata, a língua saindo por um buraco no pescoço. Cheiro velho cheiro de coisas velhas, coxas varicosas, assim você é, assim você será, vita brevis. Sim, eu deixo sim, I will, yes. Os chimpanzés em maior número, seguram um, esse um espancam, arrancam os dedos e a genitália a dentadas, chupam o sangue ou arrancam a traqueia. A respiração do ladrão do lado de fora que escuto, é a minha, a que não escuto, a dele, é a que mais me apavora. Levantar para ouvir os pregões dos vendedores da rua, que nunca escuto. Em 1971, o homem em rotineira sessão de tortura que quebrava os meus joelhos, “desculpe, respeito muito, um verdadeiro artista, mas eu tenho mulher e filhos, e você caiu no meu horário”. Nada de dor, quase nada, nenhuma, quase nenhuma, que coisa maravilhosa, nada se compara a isso, uma dorzinha de cabeça às vezes. O cara que arrancou os próprios os olhos, eles o estavam incomodando, não conseguia ler, PCP, nem gritou. Que parte lhes incomoda. A carne de vocês, o teatro a acomoda?

Depois as cenas. Ian festa. Dois tempos o entrevado engravatado na faixa de pedestres da Rio Branco, as calças arriadas e o mundo acontecendo em outras partes, segundo outros motivos. Todos somos muito ridículos. Se não fôssemos tão ridículos, seríamos algo digno de nota. Disse o Trent Reznor, na mesma estrofe mais coisas, mas me amarro nisso aqui: I want to fuck everyone in the world, I want to do something that matters. Ele, Ian, a traqueia amassada dando um som bacana. Já não me lembro do texto que ele falou. Era ótimo, este homem esquecer-se das calças mas não dos sapatos. Levantava-se e quebrava (quebrava? Assim como quebra-se um objeto?) e tornava-se um garoto, um cara, não um homem, louco numa festa, muito doido e sem calças, e aí falava um bocado de coisas. Lembrei, no episódio de perdida a identidade, das peças que se aproximam de todos através de causos, causos engraçados, como era o caso. 

Algo:
Perdi minha identidade. Fui fazer BO na delegacia. Disse que fui assaltado perto de um viaduto. Agora quando passo lá fico ligado “tenho que tomar cuidado, já fui assaltado aqui”.

Mas não quis, tive a experiência de não quis, não quero. Aproximou-se demais de algo que conheço e que aprecio com muita moderação, ao contrário do álcool. Ou talvez fosse cuidado, cuidado porque tenho medo de tropeçarmos e cairmos na linha de produção. E aí nos amputarem tudo quanto construímos só pra nos fazer caber no bolso de todo mundo. Imagem que sempre me volta, as irmãs da Cinderela, cortando artelhos e calcanhares pra fazer caber o pé na sapatilha. Genial. Se não fosse estúpido, seria genial. Ou não, é estúpido e genial. É isso, entendeu? Pensar num mau desfecho, como se deu, afinal nenhuma delas ficou com o príncipe, é fácil falar que elas são idiotas. Mas se pensarmos que poderia ter dado certo: Viveria uma sem alguns artelhos em prol da felicidade, ou viveria a outra sem calcanhares em prol da felicidade. Louco, alucinado. Como assim meu corpo? Isso é tão ultrajante que é genial. Não que se se elegessem pra algum cargo público com essas plataformas eu fosse à loucura, dizendo que é desse tipo de atitude que carece o cotidiano da cidade ou do país. Chega.

A música do Daft Punk, Touch. Ela tem seus momentos meio idiotas, e seus momentos bonitos. E seus momentos meio bregas-bonitos, (que dizer de “Touch, you almost convince me I’m real”?), pedi pro Ian pesquisar esse brega. Sem falar que a música despertava um desespero. Desespero que ele explorou. Chamou a Laura pra dançar. Foi algo extremamente estúpido, também coincidia com a parte estúpida da música. Aquelas pernas enormes dele, balançando. Um, dois, ele tentou fundir, o dançar a música com ouvir o relógio. A fossa. O estado bacana em que ficou a Laura imóvel. Volta: o amor humilhado. L’amour Vanqueur. Mas não se trata apenas de amor. Não? Ok, vou pensar sobre isso. A trajetória do Ian, digo, toda aquela energia exultante, todos aqueles planos (ideia que me assombra: ter um plano é nada), as festas, as músicas, mas as músicas dizem, sim ou não, sim ou não. Vejo ele cortando o calcanhar. A fossa. Um vômito presentificado na inação. Inanição. Sexual. A Laura nada. Quase nada. Depois o desespero total, a falência múltipla dos órgãos, um desejo primitivo, destruição, uma metade pele lisa romã róseo, a outra amassada como papel de embrulho, assim você é, exterminate all rational thought, comer este corpo, deglutir, digerir. Hold, hold on, If love is the answer you hold. Brega. Ian ouviu coisa mais interessante. Algo: Long gone, If love is the answer, you’re old.

Depois ele volta e se deita. Laura destruída. “A garçonete estava nitidamente em estado de choque. Aquela lâmina, puxada no calor de uma discussão, parecia ter detonado lembranças ruins. Os olhos vidrados indicavam que sua garganta já tinha sido cortada. Ainda estava nas garras da paralisia quando saímos.” (Medo e Delírio, p.176) É isso. Assassinatos levados a termo, culminando com morte, ou com esta letargia lobotômica, este corpo estuprado. Isso e nada, uma festa, uma igreja, seus sinos, sim ou não sim ou não, é um casamento.

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