sábado, 1 de junho de 2013

sobre ensaios (4)

29/05
































Saint Jerome in Meditation, Caravaggio.



A respeito do último ensaio. Nele foram Bruno e Marcela. Marcela foi tirar fotos. Luísa também foi, mas no cargo dela, que é meio tudo, e produtora. Bruno no de assistente ou consultor de direção, há, e figurinista. Bruno deu muitos toques. Enfim.

Laura puxou o exercício, bandeja e depois três movimentos da perna. Misturamos tudo. Me passou, eu respirações, nada muito elaborado, talvez mesmo excessivamente pouco elaborado. Rinaldo, culminando com a ária do Von Trier do Anticristo, falando somente lascia ch’io pianga parece que eu sei de alguma coisa. O que é mentira.

Trazer, comecei a sugerir sons respiração, palavras, não precisariam ser do Graciliano, sugeri merda, caralho, porra, sugeri, no sentido de exemplificando mais que “vocês poderiam falar isso, acho uma boa ideia”, não.

Bruno, dos toques que ele deu, justamente isso, trazer o que não seja Graciliano. Ok, não encarar como must, mas outra coisa, uma coisa, a ser pensada antes de seguida. Gosto da ideia de também pisar no pé do Graciliano, coisa que desde já, na proposta cênica do papel, já fazemos com o Beckett. É claro que também desterritorializamos o Graciliano, duplamente, do lugar da literatura, do lugar de apenas uma voz genitora. Do lugar, talvez triplamente então, da adaptação para três corpos. Que quase sem fazer força trazem outras imagens que não apenas a alcova do Caravaggio. Uma mulher numa onda de ácido escutando Otis Redding, That’s How Strong My Love Is. Como é no trainspotting: Isso aqui bate qualquer pau no mundo. Lá trata-se de heroína, aqui também pode ser. E trazer o Burroughs, exterminate all rational thought. Ideia que excita. Meu corpo se mexe quando ouço, penso nela, ou falo. Exterminate all rational thought. Prosa delirante. Menos organização.

Desejaria voltar a ser homem, sustentar uma opinião qualquer, proteger-me de inimigos invisíveis.

Bruno diz que trabalhamos de modo interessante a presença mas que ele observa faltar um trabalho mais bacana no estabelecimento de sentidos. Gostaria de dar uma explodida nessas noções. Não sei exatamente o que quero dizer com isso. Quero que as pessoas extraiam coisas da peça. Exterminate all rational thought. Tenho pensado a respeito dessa frase. Ela está contida na obra do Burroughs, serve, imaginar-se-ia, para pensá-la igualmente, ou seja, não se trata apenas de exterminar todo pensamento racional por aí, na sua vida, pulverizando seu eu, suas construções narcísicas, mas também aqui, neste filme (Cronenberg), neste livro, exploda-se, foda-se.

Bruno (iniciando mais um parágrafo) falou que via um prédio abandonado ocupado. Gosto da imagem. Mas não gosto de pensarmos nesses personagens como sendo invasores de prédios abandonados. A possibilidade de ler-se isso, semelhante abertura eu gosto. Lembrei até de alguma cena da Avenida Dropsie, que rolam essas ocupações. Alguns quadros bacanas, mas rola certa preguiça em me mexer, procurar a página, e mostrar pra eles, porque não sei se vale a pena. Os personagens, quem são, imagino que sejam os atores exterminados. Kafka high, you feel like a bug. Não encarnam uma persona senão um não-eu, um contra-eu, o seu algoz psíquico, corporal, contra-a-favor do corpo.

Eles falaram de Arrabal mais que Beckett. Arrabal trabalha mais com a profusão alegórica, imagens metafóricas, bombardeamento de ideias e denúncias. O Irei como cavalo louco, até hoje quando lembro me dá dor de cabeça, não porque seja ruim, pelo contrário, mas pela profusão de merda, pênis, vaginas e antropofagia contidas. Beckett empobrece, ceifa a palavra, de modo que lembra o Martin Crimp (e, claro, puxando pro nosso projeto, o Graciliano, que fala de tirar as gorduras do texto), a violência do quê? O que você disse? quê? Sem falar que prefiro a imobilidade no symbols where none intended do Beckett. Imobilidade. Prefiro é palavra perigosa, Bruno me alertou, ah espera um pouco.

Bruno me alertou pro processo que estabelecemos, processo de criação coletiva. Pronto, sinto todos os olhos se voltando pra mim de lá do fundo da escuridão, “ah-há”. Sinto os que gostam dizendo ah legal, e os que detratam nos encarando como convertidos a alguma igreja evangélica, ambos os casos com sensíveis margens de erro. Mas, digressão, voltemos. Criação coletiva. A ideia de eu preferir. Preferia que não sambássemos tanto no texto do GR, mas sambamos, e aí, joga tudo fora, pra fazer de novo, e sacar melhor uma maneira supostamente fiel? Ficção. O projeto é o que está acontecendo. O toque do Bruno foi fundamental. De novo queimar a casa, dessa vez não a referência forte de uma figura superior, mas queimar as nossas próprias convicções. Também a casa que construímos a custo e não apenas aquela em que nascemos. Ao modo de Vladimir e Estragon, sermos esses seres bums, mendigos, coxos – se, afinal, somos consideravelmente saudáveis, se somos consideravelmente bonitos, se somos consideravelmente zonassuis (e consideravelmente não sui generis, como quereríamos. Singularidade constitui cada um, sim, mas também a mediocridade nos atravessa, Millôr faz um pequeno e preciso inventário no Computa, computador, computa) ao menos considerar a potência da feiura das nossas ideias, dos nossos preconceitos, não num sentido auto-penitente, não!, feiura não num sentido moral, não!, feiura é má palavra, mas que se opõe à eventual beleza de um orador que porventura venhamos a ser, o porte de ator e/ou acadêmico, o Ian aluno de teoria teatral e cinema + eu aluno de psicologia e licenciatura em artes cênicas + Reinoso formado em interpretação pela Martins Pena e Unirio e caracterizador e professor + Laura aluna de interpretação e professora e dançarina + Bruno formado na CAL e aluno de direção + Luísa aluna de licenciatura em artes cênicas e letras = ?

Aposta nesse nada. Abertura para o nada. Prefiro o Beckett. Essa preferência eu compro. Agora sim: o nada de nossa ideias, niilismo? Porém a potência do nada de nossas ideias. O nada não como algo zerado, zero absoluto. Mas às vezes sim, o corpo drogado, o corpo masoquista, DG, corpo sem órgãos. Desejo e não-desejo. Medo e Delírio, Trainspotting, Naked Lunch.

5 comentários:

  1. Estou atrasada, e justo pra encontrar laura e bruno (e também a roberta), mas isso não me dará uma justificativa do tipo "estava comentando no blog do insônia".

    mas vou rápido escrever qualquer coisa aqui, porque assim me obrigo a voltar depois e elaborar essa qualquer coisa.

    sobre exterminar todo o pensamento racional: a frase seguinte é tão fundamental quanto ela, me parece, aquela que você me falou, porque também não vi o filme. "essa é a conclusão a que cheguei".

    depois sobre graciliano lembrar beckett: acho que não. ou a comparação ficou tosca. depois volto a isso.

    por fim: criação coletiva não quer dizer sambar no graciliano. também não gosto de abandoná-lo, porque acho que nele está o centro que procuramos, mas trata-se de transformá-lo em matéria teatral e não literária.

    juro que volto.

    beijos

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    1. sim pro burroughs. No passo seguinte falo disso, em coisa ainda não aqui no blog, ainda não estamos na via do pensamento racional pra exterminá-lo, mas na criação fortuita, que não se prende a sentidos previamente - ou seja, não se caracteriza pela violência do sentido exterminado. Concordo contigo.

      A comparação é extremamente pontual. Relativa ao processo de empobrecimento do texto dos dois. Tem alguns outros pontos de contato, não digo nem tanto entre o Graciliano e o Beckett, talvez seja melhor entre o Insônia e o Dias Felizes, a imobilidade, por exemplo. O tratamento dado à imobilidade. Enfim. Concordo menos contigo aqui.

      A ideia de sambar, ok, ficou hiper pejorativa, mas não era a ideia. A ideia é, ok, fugimos muito da ambientação do GR, meu problema era aceitar isso. Agora aceito. O problema seguinte "e daí?". Não é nem Beckett nem Graciliano.

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    2. você não falou disso, mas relendo, penso que essa ideia de preferência pode ser perigosa. Do tipo não querer largar o osso.

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    3. "Sim pro Burroughs", mas eu não entendi o que você disse depois. Talvez seja o que eu quis dizer mesmo. A idéia de que só se é possível exterminar o todo o pensamento racional através dele mesmo, em um paradoxo não tão paradoxal assim. Ia escrever mais, mas acho que só piora.

      A coisa Beckett-Graciliano, é só para não ficar na comparação rasa. É claro que dá pra pensar a obra dos dois em comparação por diversos aspectos, se a gente não acreditasse nisso não estaria misturando os dois num mesmo processo. (Aliás, quando chega o texto do Beckett? Vamos ler a la Moacyr ou só ir inserindo ele mesmo?). A questão, mas pode ser maluquice minha, é que justamente por ser uma comparação extremamente pontual, ela não diz a que veio, sei lá. Porque do pouco que conheço dos dois autores me parece que eles se utilizam de procedimentos de escrita parecidos (mas não o mesmo) e chegam a resultados diferentes. O esvaziamento da linguagem no texto do Beckett eu não vejo no texto do Graciliano, que embora se utilize o mínimo (cortar gordura), preenche cada imagem de tanto significado que. Sei lá.

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    4. Faltou a última coisa, mas é que na verdade eu estava mais concordando com você. Eu gosto mais de pensar em adaptar o Insônia do que em partir dele e chegar em outra coisa. O que eu disse é que ir pra improvisação coletiva, tal como eu entendi nesse dia, não significa necessariamente não adaptar o conto, mas sim deslocar a maneira de adaptá-lo, entende? Não tanto adaptar ele em um trabalho de mesa, mas sim na sala de ensaio, deixando-se atravessar por outros textos que não apenas o do Graciliano. Porque o fundamental é transformá-lo em matéria teatral, e não em conto declamado bonito, como já falamos. E pra isso vale quase tudo, até deixá-lo de lado um pouco. Acho o Prazer uma boa referência nesse sentido. Enquanto estamos com a peça fresca, seria bom ler o conto, pra ver o quão fiel ou não eles foram. Acho que eu tenho ele aqui.

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