17/10
Estou
tentando pensar nas ações da peça. O que quer dizer que estou pensando, digo,
tentando pensar nas ações situações que bolamos pro primeiro tratamento.
Muitas
delas não têm sentido.
O
problema, um problema é que várias coisas de que gostávamos muito simplesmente
não apareceram enquanto outras coisas de em cima da hora ficaram porque
cumpriram um papel de costura, que, não obstante fosse fundamental, nos
atrapalha hoje quando as queremos remover pois desconfiamos ou entendemos que
não têm qualquer motivo para serem sustentadas em cena. Às vezes mesmo porque
já então não se sustentavam.
Algumas
coisas surgiram que não são, digamos, diretamente oriundas nem do Insônia nem
do Dias Felizes, que, entretanto, casam de maneira interessante com o clima das
duas obras. Outras coisas porém são totais bobagens.
Há
apenas uma bobagem que eu desejo manter. Mas que de modo algum descarto a
possibilidade de descartar. Que é a cena dos três em volta da TV com a música
do Otis Redding. Trata-se de algo aleatório. Como disse no ensaio pra eles
precisamos desaleatorizar essas coisas. Não que necessitemos, ao invés,
incorrer em sucessões de causalidades. Isto acontece porque aquilo.
Provavelmente não é interessante pensar em a prioris. [inserido em 10/12: Isto é, não pensar que nunca nada aleatório ou que sempre causa e efeito (é ótimo ler a correspondência entre o Schneider e o Beckett que a Cosac Naify anexou na edição deles do Dias Felizes, do No author better served; o Schneider às vezes pergunta um "mas por que ela faz isso?" - super ok, porque às vezes de fato dá um desespero considerável pensar não estar entendendo nada do que tá acontecendo - e uma vez ele pergunta alguma coisa, acrescentando que a atriz perguntará também, haha)]
Quero
dizer. A primeira cena do No é boa. Porque entende-se que ele guarda cada coisa
em cada lugar. Entende-se a ação dele. A graça está no fato de que se brinca com a compreensão que se faz da cena.
Eu
sugeri a Ian e Reinoso que o jogo entre No e Bo era o de que um tinha uma coisa
que era do outro o outro tentava reavê-la. Hum, dizendo mais especificamente.
Bo rouba No que toma de volta de Bo e toma ainda outra coisa de Bo.
Talvez
precisemos estabelecer algum funcionamento dessa máquina.
Há
esses dois homens que se ocupam de frugalidades envolvendo pequenos jogos de
humilhação. Nada muito grave. Um tira as calças do outro. O outro não se
retrai. Não?
Uma
das coisas que mais me incomoda é como o personagem do Graciliano nesse momento
escapa do Ian. Não que me incomode que escape dele. Mas nessa hora me incomoda
o modo como escapa. O que veio até aí e o que daí segue são demasiado díspares
do que aí ocorre. Entra-se num jogo cômico gags. Não à toa há uma suspensão
absoluta de texto no Ian. O personagem se foi dele completamente. Agora vemos
outra coisa. Há certo clima de improviso. Aquelas falas que saem espremidas,
econômicas, quase envergonhadas. E me lembro de texto novamente pela boca do
Ian quando ele repete o que a Laura diz. Se alguém apertasse ali. Enfim. [inserido em 10/12: hoje discordo, é claro que damos uma brincada descarada com o texto do GR, mas acho que essa bobagem que é o jogo do paletó entre No e Bo não é motivo de achar que se foi completamente do Ian o personagem do GR. Acho que é uma variação sobre o tema, uma variação ridícula.]
A
mudança do personagem do Ian não pode ser tão brusca quanto foi. Fica
simplesmente esquisito. Sem sentido e tal.
Não
sei a respeito lá das coisas esquisitinhas de corpo dele.
Mas
o meu problema mais que central aqui é o texto. Agora, hoje dia 17 de outubro.
A o que menos de um mês pra estreia, percebo que o texto não vai sair.
Simplesmente não há assunto.
Claro
que desejo o contrário, que haja assunto e que haja texto. Digo mais pra não
fingir para mim mesmo que não necessito me alarmar. Enfim, também quando ponho
isso me tranquilizo, quando me digo que necessito me alarmar, de certo modo
fico tranquilo porque estou em paz com o fato de que “ora, mas diante de tudo
isso eu devia era estar intranquilo”. Porém nada tiro da minha intranquilidade,
senão uma ansiedade nada produtiva.
O
que acontece na peça: Um homem está roendo as unhas. Em seguida começa a
vasculhar bolsos de paletós. Admira-se num espelho. Coloca coisas na boca.
Cospe. Lê coisas. Um outro: acordou no meio da noite, ele deixará claro que
estamos numa madrugada. Ele fala de uma pergunta que o acordou. Sim ou não?
Eles conversarão. O outro ouve um despertador. Um despertador?, há uma ideia de
despertar que sugere dia. Pensar com mais carinho de qualquer forma. Ele se
levanta, dirige-se a outro cômodo, acende uma luz, que incide sobre uma mulher.
Ela está em meio a vários vasos de plantas. Parece o jardim de inverno deles.
Ela fala, sentada, não se desloca. Tem alguns movimentos, está perturbada por
alguma coisa. Algo talvez proveniente de alguma memória corporal de alguma
coisa. O outro volta. Os dois transitam pelos cômodos. Por que o primeiro
levanta?
Preciso
do Graciliano. O que o Ian diz no primeiro corte que fiz:
Não consigo
estirar-me na cama, embrutecer-me novamente. Impossível a adaptação aos lençóis
e às coisas moles que enchem o colchão e os travesseiros. Certamente aquilo foi
alucinação. Sim ou não? Sim ou não? A pergunta corta a noite longa. Sim ou não?
Esta pergunta surgiu-me de chofre no sono profundo e acordou-me. Sim ou não? O
corpo morto levantou-se rápido como se fosse impelido por um maquinismo.
[Preciso
(pausa curta) continuar (pausa curta) a (pausa curta)
dormir], encostar de novo a cabeça ao travesseiro e continuar a dormir, dormir
sempre, não pensar, não desejar, matéria fria e impotente.
[Bicho inferior, planta ou pedra, num
colchão.]
[Deverei
levantar-me, andar,] convencer-me de que saí daquele sono de morte e posso
mexer-me como um vivente qualquer, ir, vir,
chegar à janela
Impossível
mover-me.
Sim
ou Não?
Estarei
completamente doido ou oscilarei ainda entre a razão e a loucura? Estou bem, é
claro.
Tudo
em redor se conserva em ordem.
Sim
ou não?
São
as sessões: No apresentação. Bo apresentação. Ba apresentação. Texto. Bo se
levanta. Conflito Bo x No. (Como é?) conflito No x Ba. Interação Ba x Bo. Cena
da TV. Quase estupro. Bo x No x Ba. Texto No. Conflito Bo x Ba. Estupro. Texto
Bo x Ba. Regar as plantas com dejetos.
No
uma palavra escrita, incapaz de criação. O apreciador de belas palavras. Ba
fala de Aristóteles. Ele saca a sua Barsa. Vai atrás.
Sim
ou não?
Momentos
de texto de Bo (seguindo a cronologia de GR):
Introdução
ao problema: que porra é Sim ou não?
Então
temos ele já com a pergunta. No conto ele dá hipóteses. Desde o princípio ele
diz, não era bem uma pergunta.
Ou
seja, desde o princípio se insinua como outra coisa. Nesse sentido é
interessante pensar no Reinoso como essa força escrota sobre ele. Haverá
anterioridade sobre ele. Isto é, anterioridade do Reinoso sobre o Ian. Então é
possível pensar que é alguma coisa que incide. Claro que não é. O No tá na
dele. De repente acende uma luz sobre o Bo. Foda-se ele não tem nada a ver com
isso.
No
Graciliano não há dúvida, quanto ao que seja sim ou não. Ele quase põe dois
pontos. Sim ou não: esta pergunta (...) [inserido em 10/12: hum, vou tentar colocar de maneira suficientemente ciosa: essa certeza não exclui a dúvida.]
No
primeiro tratamento vimos que é possível o Ian falar isso. Tenho cá minhas
dúvidas de que logo de cara. Isto é, tal como aparece no conto. Eu deixei a
sequência pra um pouco depois, apesar de em sua primeira fala.
**
19/10
Resolvemos
umas coisas ontem. Resolver é demais, mas achamos direções.
Bo
tenta se vestir e No procura despi-lo. Podemos pensar com Graciliano.
“Quem
me chama lá de fora, quem me quer afastar do túmulo, obrigar-me a andar na rua,
tomar o bonde entrar no café?” § 27.
Bo
se vestir implica em que ele escutou a voz e tomou a decisão de segui-la.
Agora: é isto o que a voz lhe diz? A voz diz apenas “Sim ou Não?”.
[“a
noite não finda” para indicar inequivocamente que se trata de noite]
(Luísa
relacionou escutar a voz com os gritos que Winnie escuta. Gosto. Isto é, não
sei como podemos associar isso em cena, mas gosto de ter que pensar nisso.)
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