terça-feira, 10 de dezembro de 2013

pensando alto (4): 17 de outubro


17/10


Estou tentando pensar nas ações da peça. O que quer dizer que estou pensando, digo, tentando pensar nas ações situações que bolamos pro primeiro tratamento.

Muitas delas não têm sentido.

O problema, um problema é que várias coisas de que gostávamos muito simplesmente não apareceram enquanto outras coisas de em cima da hora ficaram porque cumpriram um papel de costura, que, não obstante fosse fundamental, nos atrapalha hoje quando as queremos remover pois desconfiamos ou entendemos que não têm qualquer motivo para serem sustentadas em cena. Às vezes mesmo porque já então não se sustentavam.

Algumas coisas surgiram que não são, digamos, diretamente oriundas nem do Insônia nem do Dias Felizes, que, entretanto, casam de maneira interessante com o clima das duas obras. Outras coisas porém são totais bobagens.

Há apenas uma bobagem que eu desejo manter. Mas que de modo algum descarto a possibilidade de descartar. Que é a cena dos três em volta da TV com a música do Otis Redding. Trata-se de algo aleatório. Como disse no ensaio pra eles precisamos desaleatorizar essas coisas. Não que necessitemos, ao invés, incorrer em sucessões de causalidades. Isto acontece porque aquilo. Provavelmente não é interessante pensar em a prioris. [inserido em 10/12: Isto é, não pensar que nunca nada aleatório ou que sempre causa e efeito (é ótimo ler a correspondência entre o Schneider e o Beckett que a Cosac Naify anexou na edição deles do Dias Felizes, do No author better served; o Schneider às vezes pergunta um "mas por que ela faz isso?" - super ok, porque às vezes de fato dá um desespero considerável pensar não estar entendendo nada do que tá acontecendo - e uma vez ele pergunta alguma coisa, acrescentando que a atriz perguntará também, haha)]

Quero dizer. A primeira cena do No é boa. Porque entende-se que ele guarda cada coisa em cada lugar. Entende-se a ação dele. A graça está no fato de que se brinca com a compreensão que se faz da cena.

Eu sugeri a Ian e Reinoso que o jogo entre No e Bo era o de que um tinha uma coisa que era do outro o outro tentava reavê-la. Hum, dizendo mais especificamente. Bo rouba No que toma de volta de Bo e toma ainda outra coisa de Bo.

Talvez precisemos estabelecer algum funcionamento dessa máquina.

Há esses dois homens que se ocupam de frugalidades envolvendo pequenos jogos de humilhação. Nada muito grave. Um tira as calças do outro. O outro não se retrai. Não?

Uma das coisas que mais me incomoda é como o personagem do Graciliano nesse momento escapa do Ian. Não que me incomode que escape dele. Mas nessa hora me incomoda o modo como escapa. O que veio até aí e o que daí segue são demasiado díspares do que aí ocorre. Entra-se num jogo cômico gags. Não à toa há uma suspensão absoluta de texto no Ian. O personagem se foi dele completamente. Agora vemos outra coisa. Há certo clima de improviso. Aquelas falas que saem espremidas, econômicas, quase envergonhadas. E me lembro de texto novamente pela boca do Ian quando ele repete o que a Laura diz. Se alguém apertasse ali. Enfim. [inserido em 10/12: hoje discordo, é claro que damos uma brincada descarada com o texto do GR, mas acho que essa bobagem que é o jogo do paletó entre No e Bo não é motivo de achar que se foi completamente do Ian o personagem do GR. Acho que é uma variação sobre o tema, uma variação ridícula.]

A mudança do personagem do Ian não pode ser tão brusca quanto foi. Fica simplesmente esquisito. Sem sentido e tal.

Não sei a respeito lá das coisas esquisitinhas de corpo dele.

Mas o meu problema mais que central aqui é o texto. Agora, hoje dia 17 de outubro. A o que menos de um mês pra estreia, percebo que o texto não vai sair. Simplesmente não há assunto.

Claro que desejo o contrário, que haja assunto e que haja texto. Digo mais pra não fingir para mim mesmo que não necessito me alarmar. Enfim, também quando ponho isso me tranquilizo, quando me digo que necessito me alarmar, de certo modo fico tranquilo porque estou em paz com o fato de que “ora, mas diante de tudo isso eu devia era estar intranquilo”. Porém nada tiro da minha intranquilidade, senão uma ansiedade nada produtiva.

O que acontece na peça: Um homem está roendo as unhas. Em seguida começa a vasculhar bolsos de paletós. Admira-se num espelho. Coloca coisas na boca. Cospe. Lê coisas. Um outro: acordou no meio da noite, ele deixará claro que estamos numa madrugada. Ele fala de uma pergunta que o acordou. Sim ou não? Eles conversarão. O outro ouve um despertador. Um despertador?, há uma ideia de despertar que sugere dia. Pensar com mais carinho de qualquer forma. Ele se levanta, dirige-se a outro cômodo, acende uma luz, que incide sobre uma mulher. Ela está em meio a vários vasos de plantas. Parece o jardim de inverno deles. Ela fala, sentada, não se desloca. Tem alguns movimentos, está perturbada por alguma coisa. Algo talvez proveniente de alguma memória corporal de alguma coisa. O outro volta. Os dois transitam pelos cômodos. Por que o primeiro levanta?

Preciso do Graciliano. O que o Ian diz no primeiro corte que fiz:

Não consigo estirar-me na cama, embrutecer-me novamente. Impossível a adaptação aos lençóis e às coisas moles que enchem o colchão e os travesseiros. Certamente aquilo foi alucinação. Sim ou não? Sim ou não? A pergunta corta a noite longa. Sim ou não? Esta pergunta surgiu-me de chofre no sono profundo e acordou-me. Sim ou não? O corpo morto levantou-se rápido como se fosse impelido por um maquinismo.

[Preciso (pausa curta) continuar (pausa curta) a (pausa curta) dormir], encostar de novo a cabeça ao travesseiro e continuar a dormir, dormir sempre, não pensar, não desejar, matéria fria e impotente.
[Bicho inferior, planta ou pedra, num colchão.]

[Deverei levantar-me, andar,] convencer-me de que saí daquele sono de morte e posso mexer-me como um vivente qualquer, ir, vir,
chegar à janela

Impossível mover-me.
Sim ou Não?

Estarei completamente doido ou oscilarei ainda entre a razão e a loucura? Estou bem, é claro.
Tudo em redor se conserva em ordem.

Sim ou não?

São as sessões: No apresentação. Bo apresentação. Ba apresentação. Texto. Bo se levanta. Conflito Bo x No. (Como é?) conflito No x Ba. Interação Ba x Bo. Cena da TV. Quase estupro. Bo x No x Ba. Texto No. Conflito Bo x Ba. Estupro. Texto Bo x Ba. Regar as plantas com dejetos.

No uma palavra escrita, incapaz de criação. O apreciador de belas palavras. Ba fala de Aristóteles. Ele saca a sua Barsa. Vai atrás.

Sim ou não?

Momentos de texto de Bo (seguindo a cronologia de GR):
Introdução ao problema: que porra é Sim ou não?

Então temos ele já com a pergunta. No conto ele dá hipóteses. Desde o princípio ele diz, não era bem uma pergunta.

Ou seja, desde o princípio se insinua como outra coisa. Nesse sentido é interessante pensar no Reinoso como essa força escrota sobre ele. Haverá anterioridade sobre ele. Isto é, anterioridade do Reinoso sobre o Ian. Então é possível pensar que é alguma coisa que incide. Claro que não é. O No tá na dele. De repente acende uma luz sobre o Bo. Foda-se ele não tem nada a ver com isso.

No Graciliano não há dúvida, quanto ao que seja sim ou não. Ele quase põe dois pontos. Sim ou não: esta pergunta (...) [inserido em 10/12: hum, vou tentar colocar de maneira suficientemente ciosa: essa certeza não exclui a dúvida.]

No primeiro tratamento vimos que é possível o Ian falar isso. Tenho cá minhas dúvidas de que logo de cara. Isto é, tal como aparece no conto. Eu deixei a sequência pra um pouco depois, apesar de em sua primeira fala.

**

19/10

Resolvemos umas coisas ontem. Resolver é demais, mas achamos direções.

Bo tenta se vestir e No procura despi-lo. Podemos pensar com Graciliano.

“Quem me chama lá de fora, quem me quer afastar do túmulo, obrigar-me a andar na rua, tomar o bonde entrar no café?” § 27.

Bo se vestir implica em que ele escutou a voz e tomou a decisão de segui-la. Agora: é isto o que a voz lhe diz? A voz diz apenas “Sim ou Não?”.

[“a noite não finda” para indicar inequivocamente que se trata de noite]

(Luísa relacionou escutar a voz com os gritos que Winnie escuta. Gosto. Isto é, não sei como podemos associar isso em cena, mas gosto de ter que pensar nisso.)

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