sábado, 25 de maio de 2013

Sério?


Rolou uma espécie de caixa de Pandora superegóica. Fomos destituídos do nosso prazo fixo, o Festival de Niterói, que seria, esperávamos, por volta de junho/ julho (o que, pensando bem, é bom que não tenha sido, porque provavelmente nos veríamos em sérios apertos & apuros, tanto por ter que correr um pouco com as coisas, como com a dificuldade da simultaneidade com o Troia), mas que descobrimos agora que será em outubro. Por um lado é bom, como disse acima, nosso prazo se estende, mas até outubro é demais. Temos o plano de levantar a peça até novembro, talvez seja pouco tempo, é verdade, não sabemos o tempo que precisaremos, desde já portanto os ensaios quinzenais aos domingos.

Mas a parada é que esse prazo de estancamento de fluxos caóticos (em excesso, claro, porque para sempre o caos) estendendo-se, eu oscilo da posição tomada da primeira etapa, qual seja: não: agora só Graciliano Ramos, só vamos mexer no Insônia.

Aí as dificuldades de botar no palco, de editar o texto pra fazer dramaturgia com Ian, Laura e Reinoso, ficam menos urgentes, porque devemos ao mesmo tempo ouvir e ler os comentadores de Beckett......porque a gente não pode fazer nenhuma bobagem hihihi com a obra dele. Aí é foda porque eu começo a procurar um manual do que fazer/ não fazer. Mas eu provavelmente poderia parar de cara, DOA, porque talvez poucos aficionados comentadores de Beckett achariam interessante a ideia que tivemos, se é que algum.

Lembrei então daquela exegese catártica do Liberano ao fim do Vazio é o que não falta, Miranda. Não lembro das palavras exatas, como sempre, mas em certo ponto ele meio que dizia ah foda-se os comentadores, e, me parece, não no sentido de nada do que eles falam conta, mas que não seja impedidor (se bem que eu acho, lembrando agora, que ele puxava um pouco boas vibrações pro Deleuze e Guattari, ou viajei?). Corta foda. Lembro de eu começando a fazer teatro, perguntamos pro nosso diretor-professor, “por que você não monta Shakespeare?” e ele, num chiste, “Só quando a Heliodora morrer”. Na época eu não sabia quem era, e pra mim se tornou aquela cuja morte precisava se cumprir pra que nos aventurássemos por Shakespeare. Acaba sendo isso mesmo. Uma morte simbólica, quer dizer. Não fosse essa morte, não teríamos feito o Horácio, por mais que coisas do "Falando de Shakespeare" dela tenham sido fonte e constem da dramaturgia.

De repente vi que se entrasse em parafuso só ia destruir tudo. Destruir por querer fazer direitinho.

Tudo isso porque Niterói em outubro. Aí comprei um livro sobre as primeiras peças do SB, da Cláudia Maria de Vasconcellos, que até nos ajuda, porque fala do dias felizes. Mas, de novo, achar bibliografia não deve ser difícil. Longe disso. Fui digitar Samuel Beckett no site da cultura, procurando o Proust dele, e achei títulos infindáveis. Inumeráveis. Lembro do Hirsch falando que quando faz alguma coisa, quando trabalha com, sei lá, uma obra, ele quer ler tudo a respeito. O Vito também nos falava isso, pegar muita coisa e tal. A quantidade de coisas sobre Hamlet que temos é bizarra. Algumas delas muito mais no tesão do arqueólogo de achar achados que do erudito paciente que lê, interpreta e faz alguma coisa com aquilo que não seja masturbação intelectual. Outras não, outras não pegam poeira, outras vimos e lemos, claro, algumas óbvias outras não. Eu por exemplo sou um canalha porque vivo falando “que nem no Hamlet do Peter Brook”, e até hoje não levantei minha bunda pra assistir. “Como assim você não assistiu, sut!?”, não assisti, porra, não enche. Está nos meus planos, a questão é quando.

Na época em que íamos estrear o Horácio no Gláucio Gill, estávamos acompanhando, de longe, via revistas, (eu tenho a Cult, n 163, e a Caros Amigos, n 175, mas deve ter saído em mais lugares), dois números em que havia uma entrevista com o Antunes, que à época ele tava num projeto de fazer o Hamlet, rolou até um vídeozinho bacana da Folha de S. Paulo dele falando. Pelo que soube, ele abandonou o projeto. Mas enfim. Numa dessas entrevistas ele falava justamente o contrário: que planejava fazer o Hamlet a partir do Hamlet, e não a partir de todo um cânone teórico construído ao redor da obra do Shakespeare. Lembro que eu pensei “legal!”. Aí quando falava pras pessoas, algumas delas, “é...nem tão legal”. Fiquei menos embevecido como sempre fico quando alguém importante diz um baque contra o que eu penso e ponderei mais nos problemas disso.

No nosso caso então um meio termo. Tanto no Insônia quanto no Horácio. Claro, em se tratando de Hamlet, seria impossível ler-se tudo. Já disse Kott, quando em 1960 e alguma coisa, “a bibliografia sobre Hamlet daria um volume duas vezes maior do que a lista telefônica de Varsóvia”. Então imagine hoje. Fala sério, até o Vigotski tem livro sobre o Hamlet.

Se você é desses que nem eu, que coleciona frases. Espécie que devia ter mais vergonha na cara, mas deixemos isso pra depois. Uma frase do Beckett que reencontrei esses dias em duas traduções, do ensaio dele sobre o Proust, escrevo de memória, a partir de um texto do Fábio de Souza Andrade: o hábito é uma coleira que amarra o homem ao seu próprio vômito.

Nem ignorar tudo, nem ler tudo, e queimar a casa (adoro essa ideia do Barba, não li o livro, mas ouvi ele falando na Unirio há alguns anos) quando for preciso. Porque claro, se vamos fundir o texto do cara com o de outro cara, estamos desde já prestando um desserviço a um eventual purismo da obra beckettiana. Mas eu gosto de quem arrisca. Gostei muito do “Um lugar para ficar em pé”, do Ceará que a gente viu no FETO, achei corajoso, forte e bom. Gostei do Miranda do Inominável, pelos mesmos motivos. E porque em ambos os caso rola uma intimidade com Beckett assustadora. Que não é garantida em nenhuma direção que se tome. A não ser que você seja o Alan Schneider.

Isso tudo pra falar que me vi diante de um abismo e fiquei com medo. E quero transformar esse medo em outra coisa.

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