terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre a primeira vez que fizemos a segunda vez com estranhos

23/09

título a partir de ótima piada do Ian.

http://www.youtube.com/watch?v=p7KLvG4h5rI

Ontem foi o exercício do você não entende nada mesmo. Ou eu não entendo nada mesmo. Você de sua parte você entende (?). Entendeu, quer dizer, na medida em que enfim. Essas coisas.

Me explico.

Aí eu ficava pensando: por que no primeiro dia eu falava e no segundo fiquei bastante calado? Limitando-me a um eventual comentário sarcástico? Ou às vezes nem mesmo sarcástico, só tentando ser engraçadinho. Talvez hum a natureza dos comentários feitos, quer dizer, os comentários de quem assistiu.

Não eram bem quem esperasse (i.e., os comentários) resposta. Sim ou não? Sei lá.

Uma coisa primeira que me pegou vamos a ela. A imagem que o Bruno nos trouxe, creio que uma segunda vez, das portas. 

Diz ele a respeito do processo que estamos diante de portas. Tem uma principal que queremos destrancar, sempre, a todo custo. E que podemos ficar tão empedernidos aí que nem sequer percebemos que outras ao redor se destrancam. Penso ok. Isso pra falar um pouco do processo colaborativo. Enfim. Ele nos trouxe essa imagem há um tempo atrás, quer dizer, a ideia dessa imagem, falando de processos que se encaminhavam para lugares completamente diferentes daqueles planejados inicialmente. Ok. Achei bacana. Pensei é isso. Aí lembrei do Paciente Estevão. Que era originalmente o projeto de um Hamlet. Tinha Yorick no título e tal. Aí eles foram atrás do Sam Lipsyte. E virou O livro de Itens do Paciente Estevão. Havia lá suas menções ao Hamelt porém.

Aí começamos a enveredar por caminhos mais virgens. (Mais virgens? Oi? Virgens é ou não é. Não é quase ou semi.) E nos embananamos um pouco. Muita informação. Desviamos, fizemos diários, vimos muita coisa que talvez tivesse a ver, coisas que foram importantes, verdade seja dita, talvez não para o nosso processo, mas pra gente, eu, Luísa, Reinoso, Ian, Laura. Nós enquanto nós. Foi bacana e divertido.

Tá, tudo muito bem, mas e a peça?

Pois é. Aí tivemos que voltar a tentar destrancar a porta.

Enfim.

Enquanto eu escrevo eu consigo sentir uma manada de vozes se aproximando dizendo que eu não entendi nada. Que a imagem das portas não é isso.  Que se não deu certo, é porque nós não fomos pelas portas certas. Mas como eu já estou acostumado a me dizerem que eu não entendi as coisas, eu vou seguir nesse raciocínio.

Eu tenho uma ideia que é a seguinte. Cada vez que eu saía dos ensaios extremamente angustiado com as coisas de que se precisava dar conta, eu sentia que era o caminho certo. Ou melhor, um caminho certo. Cada vez que eu sentia um extremo conforto, eu ficava preocupado, quase como se estivéssemos estagnados num ponto. Que se eu queria conforto eu não devia estar ali. Que, isso eu concordo com o Bruno, se a gente só se curtia, a gente não precisava exatamente fazer isso com outros olhando. Que a nossa onda era meio masturbatória mesmo e paciência.

É aí que eu penso na tal da porta. Enfim. Agora chega, a verdade é que eu acho a imagem das portas ruim. Porque posso usá-la muito bem para ideias opostas. Como uma boca, que come e vomita. Se alguém falasse pra gente, vocês têm que ser que nem a boca que come. Ok, mas a boca vomita. Sim, mas vocês têm que ser só a boca que come. Mas só a boca que come não existe. Enfim. Viajei.

Eu acho que há aqui uma ideia fixa que é importante ser mantida. Eu só consigo trabalhar com a dificuldade. E a dificuldade da porta fechada. Porque as portas abertas desembocam em outras portas fechadas que podem fazer eu querer me matar tamanha a dificuldade que elas encerram. Falamos de performance. Pensávamos um pouco na performance como solução. Solução? Forte. Mas como um instrumento. Sei lá. Mas porra, só a ideia de trazer esse trabalho traz uma enorme série de outras dificuldades. Inclusive nos distrairmos das nossas dificuldades velhas. Boas e velhas.

Enfim. Já já vou parar de falar de portas. Porque na realidade é impossível abrir essa porta. É impossível abrir a última porta. Talvez a gente precise arrancar uns pedaços lanhando os pés, as mãos, as unhas, (porra, não há nada de bonito nisso) pra ver o que tem do outro lado, mas a porta inteira não dá. Esse é um pouco o processo do desejo. Não é disso que estamos falando?

Borges apud Mutarelli. Só um deus pode prometer. Nós porque não vimos tudo, também não daremos tudo. E será algo, espero, que sobre, que não fecha. Porque nós não fechamos (o sentido. E não abrimos a porta).

**

The unending gift

Um pintor nos prometeu um quadro.
Agora, em New England, sei que morreu. Senti, como outras vezes, a tristeza de compreender que somos como um sonho.
Pensei no homem e no quadro perdidos.
(Só os deuses podem prometer, porque são imortais).
Pensei num lugar pré-fixado que a tela não ocupará.
Pensei depois, se estivesse aí, seria apenas com o tempo uma coisa a mais, uma coisa, uma das vaidades ou hábitos da casa; agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer forma e qualquer coisa e não atada a ninguém.
Existe de algum modo. Viverá e crescerá como uma música e estará comigo até o fim. Obrigado, Jorge Larco.
(Também os homens podem prometer, porque na promessa há algo imortal).

**

E como é para um homem prometer?

Isso é um ponto.
Outro vou encurtar. A respeito do público. Vou como DeLillo. I understand none of this.

Quero que pegue. Não me lembro quem disse isso. Mas existe uma coisa a respeito da expressão. Vá ler a História do Olho. Mas, senhor Bataille, qual público você quer atingir? Como você quer atingir o público? (Afinal de contas, ficar por aí falando de cu e boceta e pau e porra. Enfim.) Ou caso fique parecendo que estamos nos comparando com Bataille. O Sterblitch se autodepreciando, “Não existe possibilidade de sucesso pra mim”, e elaborando interpretações de outrem a partir disso “Ah bacana, ele tá se autodepreciando pra na verdade falar que blá blá blá” e completa “Não. É só que não existe possibilidade de sucesso pra mim”. Existe uma coisa a respeito da expressão. Temos uma coisa a exprimir. Não podemos ter papas na língua, e sim, como quer Mattoso (eu de novo cavalo do cara que cita títulos) línguas na papa. Por quê? Porque temos que ir atrás de alguma verdade no que fazemos. Ham, “verdade”? Bom, ideia difícil. Mas enfim. Temos algo a exprimir. Existe um problema que é, mas será que isso é tão interessante quanto pensávamos? Pensei isso vendo algumas peças que pareciam se parecer muito com algumas coisas do Insônia, que, não obstante, eu achava uma merda. E pensei, mas porra, eles tão falando das coisas que eles querem falar, não devia ser bom? Pois é. De novo a porta. Não, chega de porta. (Chega de barco. Associo.) De novo, a angústia. Porque aí basta fazer terapia. Você chega, fala umas paradas, e vai sacando outras. Mas o espaço de verdade de uma peça é de outra ordem. Enfim. Tô viajando.

[inserido em 12/10: pensando em Grotowski e ouvindo coisas por aí fico menos certo de que uma coisa não participa da outra, isto é, uma espécie de auto análise não participe do processo artístico (e vice-versa, resta saber mais exatamente o que se quer dizer com processo artístico, deixo pra outra vez). Enfim, é interessante pensar que nos fundamentos do processo criativo há a preocupação com o cuidado de si. Que não é a ego trip. Enfim, algo por aí. Abouts.]

Eu gosto de imaginar pra essa sugestão do Bruno uma pergunta de múltipla escolha. 

. Como você quer que o público receba sua peça: 
a)     Por uma via afetiva;
b)     Por uma via intelectual;
c)     Por uma via mista;
d)     N.R.A 

Novamente ouço a manada. Passadas de elefantes. Antes de tudo eu me recuso a responder. Mas houvesse uma arma à minha cabeça, experiência de algum modo próxima à de ontem, não de modo algum em função de uma suposta hostilidade dos presentes, que, ao contrário, foram extremamente solícitos, e eu agradeço novamente a solicitude, (talvez sim, ao invés, numa hostilidade da minha recepção de uma ou outra coisa – via afetiva), eu ficaria com a opção d. 

Sem mais. Porque já deu.

Quanto a isso, isto é.

Leo Hinckel. “Não sinto falta de texto no Reinoso e na Laura”. É, isso me fez pensar. Isso me devolveu a angústia, a boa angústia.

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