sábado, 12 de outubro de 2013

referências (4)


"E nessa hora preciso ter muito cuidado para garantir que minhas emoções fluam de um modo natural, que passem por mim sem tomarem conta e se transformarem em ação. Nada de chorar, sair correndo, gritar. Nada de rolar pelo chão. Nada de bater a cabeça em postes. Nada de esmurrar ninguém. Ao mesmo tempo, nada de abafar coisa nenhuma. É preciso sentir tudo isso por inteiro. Qualquer tentativa de mudar o curso das emoções faz a raiva recobrar a pureza e se voltar contra mim mesmo, com força total e a mesma gratuidade de quando surge no curso normal das coisas. E é daí que vem o ímpeto suicida, porque quando as coisas estão assim alguém precisa morrer, e se não forem as pessoas na rua terá de ser eu mesmo.

(...) 

Na esteira disso tudo e nos períodos entre uma crise e outra, na fase de gerenciamento de danos, sobra apenas um mal-estar permanente. Às vezes parece que a raiva vai despontar de repente, mas eu sei que não acontece assim. Há passos a serem seguidos. Por conta disso não fico alarmado e no máximo passo o dia inteiro quieto com o indicador pousado sobre os lábios para controlar a sensação de que posso cuspir na cara de alguém de uma hora pra outra. Como forma de defesa, nunca de agressão. Muito menos de agressão gratuita. Porque nada nesse período é gratuito, tudo é defesa. E assim levo adiante os meus dias, entre pensamentos circulares e obsessivos sobre sexo e suicídio." 

Daniel Pellizzari. Digam a Satã que o recado foi entendido. pp. 115-116

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